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Evento debate produção local e acesso a tecnologias na pandemia

08/07/2021

Javier Abi-Saab (Agência Fiocruz de Notícias)

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“A pandemia demonstrou mais do que nunca a fragilidade da rede global de suprimentos de produtos de saúde. Existe uma interdependência com dominação dos países desenvolvidos junto com a Índia e a China”, afirmou Mariângela Simão, diretora-geral assistente da área de acesso a medicamentos da Organização Mundial da Saúde (OMS), durante o Seminário Avançado Produção local: desafio global para enfrentar a pandemia, na última quarta-feira (7/7), organizado pelo Centro de Relações Internacionais em Saúde (Cris/Fiocruz). Simão destacou a necessidade de diversificar a cadeia de suprimentos globalmente como uma questão de segurança. “O Brasil é o quarto país em número de vacinas aplicadas, e, apesar das dificuldades e problemas, só está nessa posição porque tem produção local”, disse a representante da OMS. 

Evento debateu produção local e o desafio global para enfrentar a pandemia (imagem: Divulgação)

 

Simão apontou seis questões estratégicas a considerar numa agenda de ação para a promoção da produção local. 1) A construção de um ecossistema de negócios que viabilize a sustentabilidade da produção, o que envolve o comprometimento a longo prazo dos governos e políticas de fomento. 2) A necessidade de uma preparação adequada dos sistemas regulatórios. 3) O aumento do compartilhamento da propriedade intelectual e uma transferência de tecnologia efetiva. 4) A expansão do acesso a financiamento sustentável, o que deve envolver os bancos de desenvolvimento. 5) O fortalecimento das capacidades para o acesso a novas tecnologias biológicas. 6) A necessidade de aumentar o uso da tecnologia digital, inteligência artificial e revolução digital na rede de saúde.

Coordenador do Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz, Carlos Gadelha ressaltou a importância de ir de encontro ao velho paradigma, ainda vivo, que diz que a produção local é irracional pois produz de forma ineficiente, mais cara e corrupta. “Estamos num sistema capitalista e temos que entender ele ou seremos dominados. A contraface da sindemia é um sistema econômico e produtivo que possa dar suporte à vida das pessoas”. Para o economista,  a gente tem que ir para além da benevolência e conversar sobre uma arquitetura onde a política reduza as desigualdades globais de produção e inovação. Segundo ele, isso envolveria, por exemplo, parcerias justas e transparentes com o setor privado. “Eu compro seu produto, mas você tem que me dar duas coisas: preço mais barato para garantir o acesso universal e tecnologia”. O pesquisador destaca que é possível ter estratégias onde exista ganho privado, “mas um ganho pactuado em termos econômicos onde se troca produtos em pequena escala para pouca gente rica por produtos em grande escala com menor preço, garantindo o acesso universal”.

Gadelha também destacou a necessidade de fortalecer os espaços multilaterais, mas sem ser mais ingênuo, politizando por dentro e reconhecendo que o multilateralismo não acontece no abstrato, mas num contexto econômico capitalista. O pesquisador ressaltou o esforço histórico da Fiocruz e do Butantã que sempre foram contra a corrente para garantir a produção local.  “O modelo brasileiro de ter uma rede de produtores públicos é um exemplo mundial. O que facilitou o acesso a 90% das vacinas de Covid-19 foi ter instituições públicas abertas que cooperam com o setor privado e estabelecem relações virtuosas”. Nesse cenário da produção de vacinas, Gadelha considera que, em vez de ter que aprender com o mundo como é que faz, talvez o Brasil tenha algo para ensinar ao mundo. “Ter uma produção pública importante no campo da saúde se mostrou uma alternativa muito interessante para estimular o investimento privado e para conseguir o grande objetivo que é a articulação entre inovação e acesso”.

Marco Aurélio Krieger, vice-presidente de Produção e Inovação da Fiocruz, apresentou o histórico dos esforços para a produção local da vacina para Covid-19, assim como os desafios enfrentados pela Fundação num cenário inédito, com uma doença nova, com lacunas de conhecimento e numa velocidade enorme. Krieger destacou a importância de considerar na discussão sobre produção local a revolução tecnológica que estamos vivenciando. Para ele, as novas tecnologias, como a do vetor viral e RNA mensageiro, podem transcender o campo das doenças infecto contagiosas e tendem a dominar. “É importante que discutamos a produção local nesse contexto tecnológico. Ao mesmo tempo em que trabalhamos na produção local, devemos investir no desenvolvimento tecnológico e garantir nossa capacidade científica”, disse o pesquisador.

Para finalizar a mesa, Claudia Chamas, pesquisadora do Centro de Desenvolvimento Tecnológico em Saúde (CDTS/Fiocruz) trouxe o tema da propriedade intelectual no contexto da produção local para a Saúde, esclarecendo que, se bem a questão das patentes é uma condição necessária, ela é insuficiente para superar as assimetrias globais de acesso. Chamas descreveu o histórico recente das discussões globais e nacionais relacionadas à propriedade intelectual e à transferência de tecnologia. A nível global, a pesquisadora ressaltou a proposta feita pela Índia e África do Sul frente a Organização Mundial de Comércio (OMC) pela suspensão temporária das patentes das vacinas para Covid-19. A nível nacional, Chamas destacou a recente aprovação na Câmara dos Deputados de um mecanismo de aperfeiçoamento da licença compulsória.

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