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Cúpula Climática COP28: urgência para ação global com foco na equidade – considerações sobre saúde e papel do Brasil


01/12/2023

Danielly Magalhães, Luiz Augusto Galvão, Paulo Buss e Mário Moreira

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O presidente Lula estabeleceu como algumas das principais prioridades em sua política externa a restauração da posição internacional do Brasil, a proteção do meio ambiente, a promoção dos direitos humanos e a defesa dos valores democrático. A importância da equidade na abordagem das mudanças climáticas tem sido enfatizada pelo presidente, que coloca a equidade como um pilar fundamental de sua política externa. Em seu discurso durante a Cúpula para um Novo Pacto Financeiro Global, em Paris, em 23 de junho de 2023, ele afirmou:

    "A mudança climática é um problema global, mas não afeta a todos igualmente. As pessoas mais pobres e vulneráveis são as mais afetadas pelas mudanças climáticas. Eles são os que têm maior probabilidade de serem deslocados de suas casas, perderem seus meios de subsistência e sofrerem com os impactos das mudanças climáticas na saúde.

    Temos de abordar as alterações climáticas de uma forma equitativa. Temos de garantir que as soluções para as alterações climáticas não criem novas desigualdades. Temos de garantir que as pessoas mais pobres e vulneráveis não sejam deixadas para trás.

    Precisamos agir agora. Não podemos nos dar ao luxo de esperar mais. As alterações climáticas são uma séria ameaça para o nosso planeta e para o nosso povo. Precisamos nos unir e agir para enfrentar esse desafio."

Os impactos desiguais das mudanças climáticas, evidenciados em diferentes sistemas, regiões e setores, resultam em danos econômicos, perda de meios de subsistência e desafios à equidade social e de gênero. Os impactos das mudanças climáticas em diversas regiões - incluindo África, Ásia, América do Norte, América Central e do Sul – indicam a necessidade premente de abordar essas disparidades. A equidade emerge como um princípio orientador crucial na resposta global às mudanças climáticas, assegurando que todos tenham acesso a medidas de mitigação e adaptação, independentemente de suas condições socioeconômicas.

A COP 28

As Conferência das Partes (COP) da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC) são realizadas anualmente desde 1995 e são o fórum oficial de tomada de decisões da Convenção-Quadro. A COP28, ocorrerá entre 30 de novembro e 12 de dezembro em Dubai, nos Emirados Árabes e tem previsão de receber mais de 70 mil delegados.

O secretariado da Convenção, com cerca de 500 funcionários e um orçamento bianual de USD 125 milhões, enfrenta críticas devido aos custos elevados em relação aos resultados, considerados insuficientes diante da urgência e desigualdade da crise climática. Os custos diretos das COPs são estimados em 30 milhões de dólares, mas, quando incluídos os custos de viagem e reuniões preparatórias, a cifra pode ser muito maior.

A maior parte das emissões é proveniente de dez países, como China (27,1%), Estados Unidos (14,5%), União Europeia (7,5%), Índia (6,8%) e Rússia (4,8%). Há questionamentos sobre a eficácia do gasto público para persuadir esses países a reduzirem suas emissões e de clamar aos países ricos a contribuírem proporcionalmente com os USD 100 bilhões anuais – que nunca foram alcançados.

Na COP21, realizada em 2015, um consenso global foi estabelecido para limitar o aquecimento global a 1,5°C em relação aos níveis pré-industriais, conhecido como Acordo de Paris. O sexto ciclo de avaliação (AR6) do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) aponta que para alcançar estas metas as emissões precisam ser reduzidas em mais de 40% até 2030, do contrário, pode-se atingir os 3oC. Cada país signatário estabeleceu suas metas próprias de redução de emissões, conhecidas como Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs). A COP 27 determinou os mecanismos de implementação, culminando no Plano de Implementação de Sharm el Sheik.

Esse ano, a COP 28 promete mais uma vez ser uma "COP de ação", na qual os países demonstrariam como essas ferramentas serão colocadas em prática nos próximos dois anos, cruciais para acelerar a mitigação e adaptação climática. A COP 28 pretende avançar em várias frentes, como: detalhar o mecanismo financeiro de perdas e danos para ajudar comunidades vulneráveis a lidar com impactos climáticos imediatos; avançar em direção a uma meta global de financiamento que auxiliará nos esforços dos países em desenvolvimento para lidar com as mudanças climáticas; acelerar tanto a transição energética, quanto a transição justa; fechar a enorme lacuna de emissões, para citar apenas algumas.

O ponto crucial desse grande “espetáculo”, será a primeira revisão do Balanço Global do Acordo de Paris (Global Stocktake - GST), onde os países e partes interessadas irão avaliar coletivamente os avanços em relação às metas do Acordo de Paris sobre Mudança Climática e como suas NDCs, presente e futuras, contribuirão nesse processo.  Assim, o GST informará o novo ciclo de NDCs previstas para 2025. O AR-6 indica que as medidas necessárias para limitar o aquecimento em 1,5oC estão muito aquém das necessárias, reforçando o senso de urgência e a gravidade, e alertando para a estreita janela disponível para evitar ‘pontos de não retorno’ ocasionados pela mudança do clima, bem como consequências perturbadoras para sistemas ecológicos e socioeconômicos. Dessa forma, os governos deverão tomar decisões para acelerar a ambição em seus próximos planos de ação climática, a serem alcançados até 2025. A principal expectativa da COP29 é definir novo patamar para financiar a ação climática e, depois disso, na COP30, o esperado é que os países apresentem suas novas Contribuições Nacionais Determinandas (NDCs).

O Brasil na COP 28

O Brasil, liderado pelo presidente Lula, destacará na COP28 a redução no desmatamento amazônico, a expansão de energias renováveis e a transição energética. Porém, precisa melhorar em relação às emissões de metano pela agropecuária. A NDC atualizada do Brasil em 2023 estabelece redução de emissões em 48% até 2025, e 53% até 2030, em relação a 2005. Além disso, o país reafirma o compromisso de alcançar emissões líquidas neutras até 2050, compensando todas as emissões com fontes de captura de carbono, como plantio de florestas e tecnologias de recuperação de biomas.

O país defenderá questões como o Fundo de Perdas e Danos do Clima, destacando a necessidade de união internacional e comprometimento com o multilateralismo, além da criação de um novo fundo para preservação de floresta. E se posicionará em defesa de solucionar as lacunas de implementação, especialmente em financiamento, tecnologia e capacitação para países em desenvolvimento.

A Saúde na COP-28

Será a primeira vez que a COP do Clima terá dias temáticos, como saúde, energia, agricultura, natureza, entre outros, nos quais serão lançados declarações, iniciativas, compromissos, buscando fomentar atos de caráter voluntário em apoio à ação climática.

No dia 3 de dezembro, ocorrerá o Dia da Saúde, destacando-se uma reunião ministerial sobre saúde e clima, com a ministra Nísia Trindade Lima desempenhando um papel de liderança neste evento histórico. O objetivo da reunião é estabelecer consenso sobre ações prioritárias para fortalecer a resposta dos sistemas de saúde às mudanças climáticas, com compromissos financeiros para a implementação das medidas. Como resultado, espera-se a assinatura, pelos Ministros da Saúde, de uma declaração, elaborada com a contribuição brasileira e enfatizando a equidade como mensagem central.

As mudanças climática já são consideradas uma crise sanitária, causando danos diretos e indiretos irreversíveis na saúde. Portanto, há a necessidade urgente de uma resposta centrada na saúde. O mais recente relatório do Painel IPCC e o Relatório Global do Lancet Countdown em Saúde e Mudanças Climáticas de 2023 abordam ameaças crescentes à saúde global, incluindo maior suscetibilidade a doenças relacionadas ao calor e outros eventos climáticos extremos, com aumento da morbimortalidade, aumento de doenças infecciosas, insegurança alimentar e hídrica exacerbada, além de impactos na saúde mental. Esses efeitos elevam os custos de saúde e sobrecarregam os sistemas de saúde. Apesar dos riscos em ascensão, os esforços de adaptação são considerados insuficientes, especialmente em países de baixo IDH (Índice de Desenvolvimento Humano). A transição para energias renováveis permanece lenta, com 1,8 milhão de mortes atribuídas à poluição do ar derivada da queima de combustíveis fósseis em 2020.

Nas áreas urbanas, as mudanças climáticas têm causado impactos prejudiciais na saúde humana, nos meios de subsistência e nas infraestruturas essenciais, incluindo sistemas de transporte, água, saneamento e energia. Isso resulta em perdas econômicas, interrupções de serviços e impactos negativos no bem-estar, afetando principalmente as populações urbanas economicamente marginalizadas.

Aqui estão algumas das questões críticas relacionadas à saúde, que serão discutidas na COP28:

  1. Aumento da frequência e intensidade de eventos climáticos extremos - As mudanças climáticas estão levando a ondas de calor mais frequentes e intensas, secas, inundações e incêndios florestais, que podem ter um impacto devastador na saúde humana. Por exemplo, ondas de calor podem levar a insolação, desidratação, aumento de crises cardiovasculares, renais e respiratórias e outros problemas de saúde, enquanto inundações podem causar lesões e doenças transmitidas pela água.
  2. Disseminação de doenças infecciosas - As mudanças climáticas estão criando condições mais favoráveis para a disseminação de doenças infecciosas, como malária, dengue e zika vírus. Isso porque temperaturas mais quentes favorecem a expansão geográfica dos vetores, aumentando a transmissão dessas enfermidades.
  3. Poluição do ar - A poluição do ar é um problema de saúde significativo exacerbado pelas mudanças climáticas. Quando os combustíveis fósseis são queimados, eles liberam poluentes no ar que podem causar doenças respiratórias, doenças cardíacas e outros problemas de saúde. As mudanças climáticas também levam a mudanças nos padrões de vento, que podem reter poluentes em certas áreas e piorar a qualidade do ar.
  4. Saúde mental - As mudanças climáticas também podem prejudicar a saúde mental. O estresse de viver com as mudanças climáticas, o medo de futuros desastres e a perda de casas e meios de subsistência podem contribuir para a ansiedade, depressão e outros problemas de saúde mental.
  5. Equidade em saúde - As mudanças climáticas são um multiplicador de ameaças, exacerbando as iniquidades em saúde. As pessoas marginalizadas, como as que vivem em situação pobreza ou nas zonas rurais, são frequentemente as mais vulneráveis aos impactos das alterações climáticas na saúde. Os países em desenvolvimento são frequentemente os mais vulneráveis aos impactos das alterações climáticas na saúde e têm menos recursos para se adaptarem às mesmas. A COP28 provavelmente exigirá mais financiamento para apoiar os países em desenvolvimento na construção de sistemas de saúde resilientes ao clima.
  6. Construir resiliência nos sistemas de saúde - Os sistemas de saúde devem estar preparados para responder ao aumento da frequência e intensidade das emergências de saúde relacionadas com o clima. Os profissionais de saúde devem estar preparados com o conhecimento necessário para identificar, tratar e prevenir os sintomas de saúde relacionados às mudanças climáticas. A COP28 provavelmente enfatizará a necessidade de investir no fortalecimento dos sistemas de saúde para torná-los mais resilientes às mudanças climáticas.

Pontos de preocupação

A queima de combustíveis fósseis é um dos principais impulsionadores das mudanças climáticas e impacta significativamente a poluição do ar. A COP28 provavelmente enfatizará a necessidade de transição para fontes de energia limpa, como energia solar e eólica, para melhorar a qualidade do ar e reduzir as emissões de gases de efeito estufa.

No entanto, desde a COP 27, quando se discutiram os planos de implementação em mitigação e a eliminação ou diminuição de combustíveis fósseis, observa-se um favorecimento de perpetuação da utilização do petróleo e gás, com propostas apenas focadas na eliminação gradual do cravão. Devido à crise energética causada pela guerra entre Rússia e Ucrânia, as nações do G-7, responsáveis por 25% das emissões globais de carbono e 40% da atividade econômica mundial, propuseram que somente as plantas de carvão que não tivessem mecanismos de captura de carbono seriam fechadas. O mesmo conflito também gerou lucro de 4 trilhões de dólares às empresas petrolíferas. De acordo com dados do Fundo Monetário Internacional, em 2020, carvão, petróleo e gás natural receberam US$ 5,9 trilhões em subsídios, o que equivale a US$ 11 milhões a cada minuto.

Para completar, controvérsias cercam a nomeação de Sultan al-Jaber, CEO da Abu Dhabi National Oil Company (ADNOC), como presidente da COP28 em Dubai. A escolha de um executivo do setor petrolífero para liderar a cúpula do clima gerou críticas de ativistas climáticos e grupos da sociedade civil. Mais de 130 legisladores dos EUA e da UE escreveram à ONU pedindo sua remoção. Críticos argumentam que a nomeação de um líder da indústria do petróleo para chefiar a cúpula climática representa um claro conflito de interesses. No entanto, o governo do Reino Unido defendeu a nomeação de Jaber pelos Emirados Árabes Unidos como chefe da COP28 da ONU deste ano.

Os desafios e preocupações em torno da COP28 refletem a complexidade e as tensões inerentes à abordagem das mudanças climáticas. A necessidade urgente de transição para fontes de energia sustentáveis e a redução do uso de combustíveis fósseis são temas centrais, mas as disputas sobre ações concretas persistem. A crise energética resultante do conflito Russo-Ucraniano adiciona uma camada adicional de complexidade, destacando a interconexão entre geopolítica e mudanças climáticas. De outro lado, se a guerra na Palestina tomar proporções regionais, a questão do petróleo e gás subirá de voltagem. Como destacamos, a nomeação de um executivo do setor petrolífero como presidente da COP28 levanta questões significativas sobre conflitos de interesse e a capacidade da cúpula em promover mudanças efetivas. Diante desses desafios, a comunidade global aguarda a COP28 com expectativas de ações concretas, cooperação internacional robusta e decisões que impulsionem a agenda climática global para um futuro sustentável.

Danielly Magalhães e Luiz Augusto Galvão são pesquisadores sênior do Centro de Relações internacionais em Saúde (CRIS) da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz); Paulo M. Buss é professor emérito da Fiocruz e diretor do Cris/Fiocruz; Mário Moreira é presidente da Fiocruz.

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