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Oficina do MS e da Fiocruz debate a febre oropouche


23/02/2024

Ricardo Valverde (Agência Fiocruz de Notícias)

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A Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente (SVSA) do Ministério da Saúde (MS) e a Fiocruz promoveram, na última quarta-feira (21/2), em Manaus, a 1º Oficina para Discussão das Ações de Vigilância, Assistência e Pesquisa em Febre do Oropouche. O evento, que teve o apoio da Fundação de Vigilância em Saúde do Amazonas, contou com a participação de pesquisadores e gestores de instituições dos estados da Amazônia e dos laboratórios de referência para arboviroses da Fiocruz e do Instituto Evandro Chagas (IEC). A diretora do Departamento de Doenças Transmissíveis da SVSA, a médica Alda Maria da Cruz, afirmou que o objetivo do encontro foi, além de trocar conhecimentos, desenhar uma estratégia de investigação da doença e estabelecer critérios e métodos que possam ser usados pela comunidade científica, nos aspectos clínicos, entomológicos e apoio diagnóstico. O boletim informativo do cenário de arboviroses do Amazonas mostra que foram confirmados 1.258 casos para oropouche até 15 de fevereiro.

A oficina foi rica em conhecimento, mas, especialmente, em identificar quais as potencialidades e as lacunas, tanto no diagnóstico clínico quanto no laboratorial e ainda no controle vetorial do oropouche (Foto: Anne Alves / Fundação de Vigilância em Saúde do Amazonas)

 

Pesquisadora da Fiocruz e ex-chefe do Laboratório Interdisciplinar de Pesquisas Médicas do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), Alda Maria destacou o trabalho de vigilância em saúde do Amazonas, que conseguiu identificar, de forma oportuna, que muitos dos casos notificados para dengue eram, na verdade, de oropouche. Nesta caracterização, contou com o apoio do Núcleo de Vigilância  de Vírus Emergentes, Reemergentes e Negligenciados da Fiocruz Amazônia. Para ela, a oficina marca o início de uma caminhada que juntou profissionais da clínica, de laboratórios, gestores, equipes da vigilância e pesquisadores, em um encontro de saberes diferenciados. “Tivemos uma riqueza e densidade de discussões muito grande e agora vamos ter que pensar em como levar adiante os desdobramentos de tudo que foi debatido e sugerido por cada um dos grupos da oficina”, afirmou. Alda Maria agradeceu a parceria da Fiocruz na realização do evento e o apoio da Fundação de Vigilância em Saúde do Amazonas.

A Presidência da Fiocruz foi representada pela coordenadora de Vigilância em Saúde e Laboratórios de Referência da Fiocruz, Tânia Maria Peixoto Fonseca. Para a coordenadora, a oficina mostrou que uma estratégia de parceria e sinergia entre as gestões federal, estaduais e municipais, em conjunto com as instituições de ensino e pesquisa, como o IEC, o Instituto de Medicina Tropical e a própria Fiocruz, amplia a resposta a uma emergência sanitária. Ela destacou ainda a parceria entre a Fiocruz Rondônia e a Secretaria de Saúde daquele estado no diagnóstico de oropouche, que confirmou a co-circulaçao dengue-oropouche. Neste momento, é possível identificar a presença de um surto de oropouche nos estados do Acre, Rondônia e  Amazonas. Em Roraima, o maior número de casos foi no período 2022/2023, atualmente predominando os casos de dengue. 

Segundo Tânia Maria, “o que aconteceu na oficina foi um congraçamento de ideias, reunindo gestores, Lacens [Laboratórios Centrais de Saúde Pública] e pesquisadores, em três grandes grupos: o de manejo clínico, o de entomologia e o de diagnóstico laboratorial. Um evento muito rico em conhecimento, mas, especialmente, em identificar quais as potencialidades e as lacunas, tanto no diagnóstico clínico quanto no laboratorial e ainda no controle vetorial. E, ao final da oficina, houve a possibilidade de encaminharmos uma série de desdobramentos em relação ao redesenho de rede de diagnóstico e ampliar nossa oferta de ajuda, inclusive de insumos, e facilitar as estratégias de manejo clínico, como oferecer um painel ou um curso online no portal da UNA-SUS. O Brasil é muito diverso e podemos ter ondas de diferentes vírus nas regiões. O fato de a Fiocruz ter laboratórios de referência descentralizados em todas as regiões do país permite não apenas um diagnóstico oportuno e adequado, mas também uma oferta de apoio em cada uma dessas áreas”. Ela afirmou que já há casos de oropouche, importados do Norte, em outras regiões, o que leva a acreditar que existe a possibilidade de expansão da arbovirose.

O vírus oropochue (Orov) é endêmico da Amazônia e vem registrando surtos no Brasil desde a década de 1970. A infecção pelo oropouche causa sintomas semelhantes aos da dengue, podendo também causar encefalite. Os primeiros registros do atual surto de oropouche no Brasil foram feitos em 2022 pelo Laboratório Central de Roraima. Na sequência, vieram registros no Amazonas, em Rondônia e no Acre. Nos últimos 70 anos, pelo menos 30 surtos humanos foram relatados em países latino-americanos (Peru, Colômbia, Guiana Francesa e Panamá). O oropouche é transmitido pela picada do Culicoides paraenses, popularmente conhecido como maruim, e é considerado um dos arbovírus emergentes de maior risco.

Pesquisador e professor da Fiocruz Amazônia, Marcus Lacerda discorreu sobre a pesquisa clínica do vírus oropouche. Ele recordou os primeiros pesquisadores que estudaram a febre, descreveu os esforços para reunir dados que possam contribuir para entender o cenário atual do vírus e desenhou a caracterização da doença a partir de casos em Manaus. Outro ponto apresentado por Lacerda foi a montagem de um protocolo, com a velocidade necessária que requer uma emergência em saúde, e assim poder caracterizar melhor a doença e obter diagnósticos mais precisos na abordagem clínica. “A partir desse protocolo, pretendemos quadruplicar o número de casos que vamos fechar como síndrome do oropouche”. Lacerda afirmou que os pacientes serão acompanhados por até seis meses, por meio de um call center para o qual eles poderão telefonar quando tiverem qualquer problema ou dúvida. E o serviço também entrará em contato com os pacientes, uma vez por semana nos primeiros 15 dias e depois a cada mês.

Ao final de sua apresentação, Lacerda listou o que acredita serem as maiores lacunas no conhecimento do oropouche. Entre eles, a apresentação clínica detalhada para guiar o profissional de saúde, entender a carga social e econômica da doença, conhecer as complicações agudas, semi-agudas e de longo prazo, descobrir a frequência de co-infecções (com dengue, por exemplo) e o impacto em pessoas que têm comorbidades, entender a duração da imunidade e o impacto sobre gestantes, desvendar a competência vetorial e os reservatórios naturais e estabelecer as estratégias de saúde única que poderão ser adotadas.

O pesquisador Filipe Naveca, chefe do Laboratório de Arbovírus e Vírus Hemorrágicos do IOC/Fiocruz e coordenador do Núcleo de Vigilância de Vírus Emergentes, Reemergentes ou Negligenciados da Fiocruz Amazônia, abordou a questão da vigilância genômica de outros agravos, como ebola, dengue, zika, Covid-19 e, mais recentemente, o Orov. Ele disse que a vigilância genômica tem rastreado e descrito as origens do Orov, seu desenvolvimento e sua dispersão e que o vírus já foi inteiramente sequenciado. Naveca comentou também sobre o artigo O surgimento de um novo vírus oropouche recombinante impulsiona surtos persistentes na região amazônica brasileira de 2022 a 2024, publicado pela Virological.org.

Naveca disse que o Comitê Internacional de Taxonomia de Vírus (ICTV, na sigla em inglês), numa tentativa de impedir que o Orov fosse confundido com outros vírus muito semelhantes, determinou que o oropouche clássico passasse a ser o protótipo da espécie Orthobunyavirus oropoucheense. E que tem como exemplares adicionais os vírus Iquitos (IQTV), Madre de Dios (MDDV), Perdões (PDEV) e Pintupo (PINTV). 

Ele citou o protocolo de diagnóstico por PCR em tempo real para a detecção do oropouche, desenvolvido na Fiocruz Amazônia, e contou que as instituições de pesquisa da Amazônia tem trabalhado em conjunto. Ele deu como exemplo as capacitações em detecção de arbovírus que estão sendo feitas para profissionais da saúde em estados da região e também no Mato Grosso do Sul e no Suriname – neste caso, a partir de uma demanda da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas).

O pesquisador disse que a vigilância genômica ajudou a responder outra pergunta: de onde veio o oropouche que está causando o aumento recente de casos? Segundo ele, foi possível mapear, por meio de reconstrução filogenética, com todos os genomas que estão depositados no GenBank [banco de dados de anotações de sequências de nucleotídeos], que o vírus emerge a partir de três eventos de rearranjo que ocorreram na natureza.

“O primeiro evento se deu na linhagem 1955-2003, que rearranjou com o vírus Perdões de 2012. Em paralelo, outro rearranjo ocorreu, com o Orov da década de 1990 e o Iquitos de 1999, ambos no Peru, gerando a linhagem que chamamos de Peru/Colômbia/Equador 2009-2021. E, finalmente, estes dois vírus rearranjam, levando ao surgimento da linhagem 2015-2024. Assim como os vírus da influenza, os vírus segmentados, como os do oropouche, dão saltos evolutivos”, explicou Naveca.

O pesquisador afirmou que de 2023 até o momento são 298 genomas completamente sequenciados, incluindo o do município de Tefé (AM) de 2015, que é o ancestral do surto atual. A maior parte da amostragem é do Amazonas, sendo quase 20% de Manaus, mas os dados incluem 29 municípios de quatro estados (além do já citado, Acre, Rondônia e Roraima), ao longo de 72 semanas.

Em seguida, houve a intervenção do pesquisador Sergio Luiz Bessa Luz, também da Fiocruz Amazônia, que apresentou a vigilância entomovirológica (diagnóstico de vírus em mosquitos), trabalho que vem sendo feito em conjunto com a Fundação de Vigilância em Saúde desde que os casos de oropouche começaram a se acentuar. Até o momento foram visitadas quatro áreas da capital amazonense. Segundo Luz, os próximos passos serão diversificar os métodos e estratégias de coleta, aumentar o esforço amostral para diversificar e alcançar mais áreas, acessar a informação de positividade de casos de forma mais oportuna, bem como testar os pools dos vetores na mesma velocidade com que são testados para amostras humanas.

Na parte da tarde, houve uma oficina em que participantes debateram ações de vigilância, assistência e pesquisa em febre do oropouche. Eles foram divididos em três eixos: vigilância epidemiológica e laboratorial; manejo ambiental e vigilância entomovirológica; e manejo clínico. Depois, ocorreu a apresentação das relatorias dos eixos e das propostas.

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