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A construção de um ideal em saúde pública


25/04/2005

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FIOCRUZ, 105 ANOS

A construção de um ideal em saúde pública

Oswaldo Cruz conseguiu transformar um instituto produtor de soro e vacina contra a peste bubônica em um centro de excelência não só na produção de diversos insumos para a saúde, mas também em pesquisa e ensino. É claro que, ao longo de 105 anos de existência, a Fiocruz teve seus percalços: enfrentou descontentamento popular, crise financeira, perda da autonomia, ditadura militar. Mas os pesquisadores de Manguinhos triunfaram. Hoje, o Castelo Mourisco se insere em uma paisagem bem diferente da do início do século 20. Continua, porém, sendo símbolo de vanguarda científica e de um novo pensamento para a saúde pública, voltado para a promoção da saúde dos brasileiros.

O ano era 1899. Oswaldo Cruz, jovem médico que acabara de voltar do Instituto Pasteur, em Paris, integrava a equipe responsável por diagnosticar uma misteriosa doença que assolava a cidade de Santos (SP). Junto com Adolpho Lutz e Vital Brazil, concluiu que se tratava da peste bubônica.

A doença chegaria também ao Rio de Janeiro, então capital da República. Logo, em 1900, para produzir soro e vacina contra a peste, era criado em Manguinhos, no Rio, o Instituto Soroterápico Federal. Oswaldo Cruz seria seu diretor-técnico e a direção geral ficaria com o Barão de Pedro Afonso, proprietário do Instituto Vacínico Municipal, que fabricava a vacina antivariólica.

Mas Oswaldo Cruz e Pedro Afonso não trabalhariam juntos por muito tempo. Para o barão, a nova instituição se limitaria a fazer soro e vacina. Já Oswaldo Cruz idealizava uma estrutura que combinasse produção, pesquisa e ensino, nos moldes do Instituto Pasteur. Em 1902, após o afastamento de Pedro Afonso, Cruz se tornou diretor geral do instituto e começou a moldar uma instituição que, mais tarde, viria a se consolidar como uma referência da saúde pública.

Foi também em 1902 que Rodrigues Alves se tornou presidente da República. Ele tinha razões para se preocupar com as epidemias que atingiam o Rio. Além de já ter perdido uma filha com febre amarela, era grande fazendeiro de café e reconhecia a doença como uma ameaça à exportação do produto. Decidido a transformar a capital da República, nomeou Pereira Passos como prefeito do Rio e Oswaldo Cruz como diretor-geral de Saúde Pública.

Pereira Passos alargou ruas e demoliu cerca de 1.600 cortiços e velhos edifícios no Centro do Rio. Esse “bota-abaixo” até tinha o propósito de criar uma cidade saudável, mas se fundamentava em um discurso médico já caduco.

“O controle da peste, da febre amarela e da varíola não requeria esse tipo de intervenção. O próprio Cruz vai combater a febre amarela em Belém sem mexer na estrutura física da cidade. As obras, pelo contrário, poderiam até piorar a situação, criando ambientes propícios à proliferação de animais transmissores de doenças. Mas isso não significa que Cruz era contra afastar as camadas populares do Centro do Rio para transformá-lo em uma Paris das Américas”, comenta o historiador Jaime Benchimol, editor científico da revista História, Ciências, Saúde: Manguinhos.

Seja como for, o Rio amargava um aumento populacional combinado à crise do café. Ex-escravos, imigrantes europeus, desertores das Forças Armadas e todo tipo de gente se misturavam na capital da República, onde faltavam emprego, saneamento básico e moradia (a demolição dos cortiços impulsionou a ocupação dos morros por favelas). Foi nesse clima de descontentamento que Oswaldo Cruz promoveu suas campanhas.

Uma delas foi para exterminar os ratos, cujas pulgas transmitem a peste. O governo pagava 300 réis por animal capturado. E logo surgiu quem criasse ratos para vendê-los às autoridades. Embora Oswaldo Cruz tenha sido vítima de uma enxurrada de piadas, no fim, sua campanha surtiu efeito contra a moléstia.

No combate à febre amarela, Oswaldo Cruz usou brigadas de mata-mosquitos. Mas, naquela época, nem todos concordavam que os mosquitos eram os transmissores da doença. Cruz adotou um método nada cordial para impor sua opinião: as brigadas podiam entrar na casa das pessoas na marra para eliminar focos de insetos e remover pacientes para o Hospital São Sebastião. A estratégia causou polêmica, mas, em 1903, os casos de febre amarela caíram quase a zero.

Em 1904, depois do episódio conhecido como Revolta da Vacina, Oswaldo Cruz voltou-se para o trabalho em Manguinhos. À revelia dos poderes executivo e legislativo, usava as verbas que sobravam da Diretoria-geral de Saúde Pública (DGSP) para ampliar e melhorar as instalações do instituto. Foi quando recebeu um convite para participar de uma exposição do 14° Congresso Internacional de Higiene e Demografia, que aconteceria em 1907, em Berlim.

Manguinhos foi o único representante da América Latina na exposição, e Cruz recebeu a medalha de ouro do evento. Ele foi aclamado no retorno ao Brasil. Prova disso é que, em 1908, Manguinhos ganhou um novo regulamento e foi rebatizado como Instituto Oswaldo Cruz (IOC).

Hábil administrador da ciência, Cruz transformou o IOC em uma instituição auto-sustentável. Ela vendia seus produtos biológicos de uso humano e veterinário, exceto durante epidemias, quando os insumos eram fornecidos gratuitamente ao governo. A renda obtida era usada na qualificação de novos cientistas e na realização de investigações científicas, cujos resultados permitiam incrementar a produção, o que revertia em mais recursos para ensino e pesquisa. Foi assim que o IOC conseguiu se erguer dentro de uma sociedade que não tinha tradição científica.

Cruz e sua equipe conseguiram, em pouco tempo, conquistar aliados e clientes dentro e fora do país. Eles mantinham contato com pesquisadores estrangeiros que buscavam soluções para os mesmos enigmas. Estavam em sintonia com as pesquisas mais avançadas realizadas no exterior. Além disso, grandes criadores de gado se renderam ao IOC quando constataram, na prática, a eficácia de suas vacinas veterinárias. Também não tardou para que grandes empresários convocassem os cientistas para combater doenças endêmicas que dificultavam grandes empreendimentos em áreas remotas do Brasil.

Depois da fase das pioneiras expedições científicas e da morte de Oswaldo Cruz – em 1917 – o médico Carlos Chagas, um dos maiores entusiastas do movimento sanitarista, foi decisivo para a criação do Departamento Nacional de Saúde Pública, que começou a montar uma base para a prevenção de doenças endêmicas em regiões do país antes totalmente esquecidas. Na direção do IOC desde o falecimento de Oswaldo Cruz, Chagas incentivou pesquisas sobre etiologia, epidemiologia e aspectos clínicos de moléstias da zona rural.

A República Velha agonizava e o Brasil enfrentava uma crise, que não poupou o IOC. Este foi atingido pelo subfaturamento de seus produtos, pela inflação e pela recessão econômica. Os avanços nas ciências biomédicas ocorridos após a 1ª Guerra Mundial não puderam ser absorvidos e a infra-estrutura tecnológica de Manguinhos ficou desatualizada. Os salários dos funcionários também caíram e o duplo emprego se tornou prática generalizada.

A situação ficou mais crítica após a Revolução de 1930. Getúlio Vargas edificou um Estado intervencionista nos domínios econômico e social. Até o final do Estado Novo, em 1945, Manguinhos até recebeu investimentos estatais, mas perdeu muito de sua autonomia. A renda do instituto foi incorporada à receita geral da União e o governo já não pagava pelos produtos fornecidos pelo IOC. O instituto foi obrigado, por exemplo, a deixar de produzir as vacinas veterinárias, que davam um ótimo retorno financeiro. Insatisfeitos, muitos cientistas deixaram a instituição e optaram pela carreira universitária.

O Estado Novo de Vargas coincidiu com a 2ª Guerra Mundial, que estimulou em vários países trabalhos sobre produtos necessários aos soldados, como plasma e medicamentos. No Brasil, as décadas após a guerra seriam marcadas por uma conjuntura desenvolvimentista.

Nesse contexto, a produção de vacinas era estimulada no IOC, em detrimento da entomologia médica e da zoologia, por exemplo. As queixas de que faltavam recursos para a pesquisa básica logo começaram a ecoar e, mais tarde, um grupo de cientistas de Manguinhos se engajaria na defesa da criação de um Ministério da Ciência.

Foi nesse clima de ruptura interna que Manguinhos vivenciou o golpe militar de 1964. Pesquisadores foram afastados de cargos de chefia e Rocha Lagoa, ex-aluno da Escola Superior de Guerra, tornou-se diretor do IOC. Os cientistas que contestavam Rocha Lagoa tinham recursos e financiamentos cortados para suas pesquisas, além de serem acusados de conspirar em seus laboratórios.

Foram abertos inquéritos para apurar focos de comunismo dentro de Manguinhos. Porém, não havia provas para o indiciamento dos cientistas acusados, entre os quais se destacavam aqueles que lutavam pela valorização da pesquisa básica e pela criação de um Ministério da Ciência – atitudes ditas subversivas.

A perseguição a esses pesquisadores ficou ainda mais acirrada quando Rocha Lagoa se tornou ministro da Saúde. Em 1970, o Ato Institucional n° 5 cassou dez cientistas de Manguinhos. Pelo Ato Institucional n° 10, eles também foram impedidos de exercer atividades de pesquisa e ensino em qualquer instituição que tivesse financiamento do governo brasileiro.

O episódio foi batizado de Massacre de Manguinhos por Herman Lent, um dos cassados. Um telegrama de 1946, endereçado a Luis Carlos Prestes, foi usado como prova contra Lent e outros cassados. No telegrama, eles apoiavam Prestes em seu desejo de retirar do Brasil tropas dos EUA que, durante a 2ª Guerra Mundial, se instalaram na região Nordeste.

No mesmo ano do Massacre de Manguinhos, o IOC se transformou em Fundação Instituto Oswaldo Cruz. Foram incorporadas unidades como o Departamento Nacional de Endemias Rurais (atuais campi regionais da Fiocruz) e o Serviço de Produtos Profiláticos (hoje desdobrado em Far-Manguinhos e Bio-Manguinhos), entre outras. Mas muita água ainda rolaria até que os cassados fossem reintegrados à Fiocruz, em 1985.

Entre produção de insumos e pesquisa básica, o governo escolhia a primeira opção na hora dos investimentos. Mas isso não impediu que a produção de vacinas, exceto a de febre amarela, se tornasse obsoleta em Manguinhos. Tanto é que, quando a Campanha de Erradicação da Varíola foi lançada, em 1966, a tecnologia para produzir a vacina antivariólica era basicamente a mesma usada por Pedro Afonso, no início do século 19. Foram feitos ajustes técnicos e a doença foi erradicada do Brasil em 1971.

Contudo, outro problema de saúde pública logo bateu à porta dos brasileiros. O governo militar até tentou abafar o caso, mas, em 1972, os hospitais paulistas registravam, diariamente, 14 óbitos por meningite e 160 novos casos da doença. O então ministro da Saúde, Paulo de Almeida Machado, decidiu vacinar toda a população brasileira e o economista Vinícius da Fonseca, técnico do Ministério do Planejamento, recebeu a missão de analisar o assunto.

Eram necessárias 80 milhões de doses da vacina, que, após muita negociação, foram compradas do Instituto Mérieux, na França. Com o sucesso da vacinação, Fonseca foi indicado para a direção da Fiocruz. Quebrava-se, assim, a tradição de diretores médicos-cientistas. À frente da instituição de 1975 a 1979, Fonseca buscou incentivar programas multidisciplinares, para dar fim à infrutífera disputa entre pesquisa básica e aplicada. Ele poderia ter sido apenas mais um interlocutor do regime militar, mas deu os primeiros passos do que viria a ser a modernização e o soerguimento da Fiocruz.

Em 1982, os governadores dos estados, dez deles de oposição, já haviam sido escolhidos por eleições diretas. Em 1984, o povo, nas ruas, reinvidicava eleições diretas também para presidente da República. Essa conjuntura externa teve reflexo na Fiocruz. Em 1985, tornava-se presidente da instituição o sanitarista Sergio Arouca, professor da Ensp e um dos líderes do movimento pela reforma no setor de saúde. Contrário à forma autoritária como a instituição vinha sendo administrada, Arouca inaugurou uma nova fase na Fiocruz, marcada pela redemocratização e pela retomada da excelência em todos os campos de atuação. Uma inspiração que perdura até hoje na instituição.

Fonte: Agência Fiocruz de Notícias.

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