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Presidente da Fiocruz debate divulgação científica e democracia


23/10/2017

Por: Gustavo Mendelsohn de Carvalho (CCS/Fiocruz)

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Convidada a participar do Ciclo de Colóquios do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), a presidente da Fiocruz, Nísia Trindade Lima, apresentou a palestra Divulgação científica e projeto democrático para o Brasil, na última terça-feira (17/10), no Rio de Janeiro. Os colóquios do CBPF trazem periodicamente convidados externos para discutirem com pesquisadores, estudantes e o público em geral temas nas áreas da ciência, ensino de ciências, política e cultura científica. O encontro, moderado pelo pesquisador do CBPF Henrique Lins de Barros, teve como objetivo a reflexão sobre o papel da educação e divulgação científica no debate contemporâneo sobre cidadania e valores democráticos.

Para Nísia, a divulgação científica tem um papel muito grande de articulação do trabalho de nossas instituições com a sociedade, “essa junção de ciência e democracia é muito cara para mim”. Citando o sociólogo norte-americano Robert Merton (1910-2003), Nísia ressaltou que, “a ideia de uma suposta autonomia da ciência, que foi muito forte no início do século 20, se descola da própria história da ciência, que se relaciona com a agenda da indústria, da produção agropecuária, com os interesses sociais”. Para ela, principalmente a partir da 2ª Guerra Mundial, percebeu-se que havia “uma crença infundada nessa autonomia e que era importante o engajamento dos cientistas na questão da democracia, pois só uma sociedade democrática permitiria uma construção científica consistente”.

Ao analisar como esse processo se deu no Brasil, Nísia lembrou das condições históricas do país, que saiu tardiamente da escravidão, com uma população de quase 80% de analfabetos, segundo o Censo de 1920. “Como falar de um projeto democrático em um país que, quando deixa de ser um império, se torna uma república oligárquica”, disse. Ela acrescentou que, por outro lado, “é possível, sim, falar de projetos que colocaram a ciência e a educação como aspectos muito importantes na construção do país”.

A presidente apresentou uma “galeria de cientistas educadores” que participaram dos primeiros esforços de divulgação no início do século 20, como Carlos Chagas Filho, Francisco Venâncio Filho, Henrique Morize, Miguel Osório de Almeida, Bertha Lutz, Anísio Teixeira e outros. Nísia destacou o papel do antropólogo carioca Edgar Roquette-Pinto (1884-1954) como uma das lideranças desse processo, particularmente com a Rádio Sociedade, resultante do esforço da Academia Brasileira de Ciências para utilização do rádio como instrumento para a educação. Ela citou também o Movimento Escola Nova, que surge no final dos anos 20, defendendo a educação pública, laica e inclusiva.

Nísia ressaltou ainda a importância do Museu Nacional, com uma concepção de divulgação da ciência para um público mais amplo, com especial atenção às escolas. Na mesma linha, já nos anos 30, Nísia lembrou a criação do Instituto do Cinema Educativo, com o trabalho de Humberto Mauro como diretor e grandes nomes da ciência no Brasil como consultores. Continuando a linha do tempo da divulgação científica no Brasil, apontou a importância do físico Cesar Lattes, que no auge de sua carreira, nos anos 50, dedicava-se firmemente à divulgação da ciência. Incluindo o próprio CBPF, Nísia recorreu ao texto de apresentação no portal da instituição, fundada em 1949, “como resultado de um momento histórico em que a ciência era parte de um projeto de nação”.

Nos anos 60, vários projetos foram iniciados e interrompidos com o golpe militar, mas houve também nesse período um crescimento em algumas áreas da ciência. Para Nísia, isso pode ser interpretado de diversas maneiras, “primeiro, havia um projeto de desenvolvimento, ainda que errático e autoritário, e também no retorno do exílio, ainda no regime militar, diversos cientistas tiveram contato com novas tecnologias, isso trouxe efeitos não esperados no processo de desmonte cultural que havia à época”.

De tempos mais recentes, ela citou o exemplo da Semana Nacional de Ciência e Tecnologia, “fruto do esforço de muitos, mas com um papel intenso da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), temos todos os anos uma semana aberta à sociedade com essa vertente de divulgação científica”. Nísia também fez referência ao Congresso Interno da Fiocruz, “que pela primeira vez vai ter a participação da sociedade, com representantes do Conselho Nacional de Saúde e da SBPC, para discutirmos os rumos da instituição de forma mais aberta”.

Nísia concluiu lembrando que a 4ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (2010) incluiu entre suas metas “intensificar ações de divulgação de iniciativas de C&T para o grande público e melhorar o ensino das ciências nas escolas e atrair mais jovens para as carreiras científicas”. Para ela, é da maior importância reforçar a divulgação da atividade científica num momento em que, além das dificuldades orçamentárias para a área, “estamos vivendo uma batalha de símbolos, a ponto de questionarem Paulo Freire como patrono da educação no Brasil, é fundamental retomar um projeto de país que tenha a ciência e a educação como bases centrais”.

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