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Combate à febre amarela: imunização além das fronteiras


17/01/2017

Por: Gabriella Ponte e Isabela Pimentel (Bio-Manguinhos/Fiocruz)

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O Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos (Bio-Manguinhos/Fiocruz) tem atuação destacada no cenário internacional, não só pela exportação do excedente de sua produção para 74 países, através da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) e do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). Desde 2001, o Instituto é pré-qualificado junto à Organização Mundial da Saúde (OMS/Fiocruz) para o fornecimento da vacina de febre amarela e, em 2008, para a vacina meningocócica AC. Cerca de 165 milhões de doses da vacina contra febre amarela foram exportadas para agências das Nações Unidas, desde a obtenção da pré-qualificação. Em outubro de 2012, a Fiocruz enviou 6 milhões de doses do imunizante para a Costa do Marfim, em apoio à campanha de vacinação em massa no país. Este caso foi em atendimento ao Unicef, por meio da OMS. Ao mesmo tempo, em setembro daquele ano, começou uma epidemia de febre amarela que causou a morte de cerca de 200 pessoas em Darfur, no Sudão. Na ocasião, a região recebeu importante ajuda de Bio-Manguinhos, que entregou 2,2 milhões doses da vacina. Trinta e cinco localidades de Darfur foram atingidas e 849 casos suspeitos notificados.

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Fiocruz tem atuação destacada no cenário internacional pela exportação do excedente de sua produção para 74 países (foto: Divulgação)

Para reverter o quadro, a OMS iniciou campanhas de vacinação nas regiões mais críticas. Em janeiro de 2013, mais de 1,1 milhão de pessoas já tinham sido vacinadas, o que representava 93% da população alvo no Sul, Oeste e Centro de Darfur. O fornecimento das vacinas de febre amarela por Bio-Manguinhos foi um pedido do Unicef, via OMS, feito em dezembro de 2012. O quantitativo, que estava no Centro Nacional de Armazenamento e Distribuição de Imunobiológicos (Cenadi), foi obtido por meio de um empréstimo junto ao PNI.

Houve uma epidemia de febre amarela que atingiu severamente a África em 2016. O surto teve início em dezembro de 2015 em uma favela da capital, Luanda, e se espalhou por toda Angola, país do sudeste africano assolado por guerras, e para a vizinha República Democrática do Congo (RDC). No total, mais de 400 pessoas morreram.

Mais de 15 milhões de angolanos e 10 milhões de congoleses foram vacinados durante a campanha coordenada pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Em um comunicado intitulado O fim da epidemia de febre amarela em Angola, divulgado dia 23 de dezembro de 2016, o Ministério da Saúde em Luanda disse que a campanha de vacinação deteve o avanço da doença. Em setembro, a OMS disse que o surto estava sob controle, mas que era cedo demais para dizer que havia sido completamente erradicado, já que havia mais de 6 mil casos suspeitos da doença transmitida por mosquitos. Bio-Manguinhos/Fiocruz teve participação decisiva no combate à doença. As autoridades internacionais de saúde forneceram mais de 27 milhões de doses da vacina contra a febre-amarela a Angola e à RDC, para travar a epidemia, com a contribuição da Fundação.

A Fiocruz enviou para o Congo, 2,5 milhões de doses e, para Angola, 1,3 milhão. Além disso, foram exportados também 1,2 milhão de doses para países das Américas.

Dose fracionada

As campanhas de vacinação esgotaram o estoque global de 6 milhões de doses duas vezes este ano, obrigando os médicos a administrar um quinto de uma dose normal. O risco de ocorrência de surtos globais aumentou nos últimos anos devido à urbanização e à mobilidade crescente da população, e foi particularmente agudo neste ano por causa do evento climático El Niño, que multiplicou a quantidade de mosquitos. A população de Kinshasa, capital da República Democrática do Congo, foi a primeira a ser vacinada contra a febre amarela com uma dose fracionada de vacina, usando 20% da dose atual. A medida foi baseada em um estudo realizado por Bio-Manguinhos/Fiocruz em 2009. A administração da vacina da febre amarela com um quinto da dose normal, para controlar surtos, foi validada pelo Grupo Consultivo Estratégico de Peritos da OMS (Sage) em Vacinação. No dia anterior, havia anunciado a nova medida, através de position paper de seu Secretariado.

“Se uma dose habitual é de 0,5 ml, pode-se aplicar uma dose de 0,1 ml, cinco vezes menor, e ela ainda é eficaz. Isso foi verificado em estudo de dose-resposta que nós fizemos com adultos”, afirma o assessor científico sênior de Bio-Manguinhos, Reinaldo de Menezes.

Publicada em 2013, a pesquisa teve seu trabalho de campo executado em 2009-2010, período em que havia escassez de vacina. “Em fins de 2008, houve aumento da atividade de febre amarela no Planalto Central, principalmente em Brasília, e viu-se que havia macacos que tinham ido a óbito e estavam infectados por febre amarela. Foi uma correria até os postos de vacinação”, lembra Reinaldo.

Seguindo ele, desde então, se sabe que a vacina de Bio-Manguinhos ainda é eficaz com uma dose 60 vezes menor que a da vacina usual. “Verificamos isso através de pesquisa clínica, 30 dias e também 10 meses depois da aplicação da vacina”, afirma. Segundo o assessor sênior, a pesquisa foi feita com homens adultos jovens. Foram 749 voluntários analisados, com proteção “muito boa, acima de 90%”. Para implementar a estratégia, seria necessário apenas adequar as seringas. “Existe seringa de 1ml que é fracionada em 10 partes de 0,1 ml. Dessa forma a vacinação pode ser feita. Um frasco de 5 doses na verdade servirá a 25 pessoas”, explica Reinaldo.

De acordo com ele, para propor o uso de uma dose menor na rotina seria necessário fazer uma nova pesquisa clínica em crianças, já que estudos no Brasil, com crianças de 9 a 10 meses de idade, indicam que a proteção na dosagem atual fica entre 80% e 85%, abaixo da verificada em adultos. “Ainda não sabemos se a dose fracionada é eficaz nessa faixa etária”, ressalta ele.

E Bio-Manguinhos/Fiocruz já se organiza para isto. “Acabamos de estabelecer dois protocolos, o primeiro para fazer estudo em crianças, e o segundo para chamar os participantes da pesquisa de 2009-2010 e analisar como eles se encontram hoje. Esses documentos já foram enviados para a OMS, e esperamos que eles possam colaborar conosco nos enviando os recursos necessários”, afirma o assessor.

Segundo Reinaldo, a decisão da OMS foi motivada por uma publicação na revista Lancet, baseada no estudo de Bio-Manguinhos. “Há poucos meses perguntei primeiramente entre os colegas da Fiocruz, ao saber da epidemia na África e da falta de vacina para controlá-la: por que não aplicar uma dose menor? Eu sabia, pelo estudo que nós havíamos feito aqui, que uma dose menor é eficaz, pelo menos a médio prazo. No grupo de discussão que a OMS criou para resolver o problema da epidemia, a OMS estava estudando a diluição da vacina. Eu propus aplicar a vacina fracionada, ao invés de diluída, pois dessa forma não há nenhuma manipulação da vacina. Esse grupo gostou da ideia e publicou o artigo na revista Lancet”, lembra. Leia o artigo publicado na Lancet

A medida, que por enquanto só se recomenda durante surtos e epidemias, em situações de escassez de vacina, será algo cada vez mais presente, aposta o assessor. “A área da febre amarela está expandindo por causa de aquecimento global e do aumento da circulação de pessoas. Esses dois fatores indicam que mais pessoas precisarão ser vacinadas. Eu não sei como esse vírus ainda não se instalou na Ásia. É urgente aumentar a produção e a oferta de vacina para febre amarela”, reforça Reinaldo.

Se uma dose habitual é de 0,5 ml, pode-se aplicar uma dose de 0,1 ml, cinco vezes menor, e ela ainda é eficaz. Isso foi verificado em estudo de dose-resposta que nós fizemos com adultos - Reinaldo de Menezes, assessor científico de Bio-Manguinhos

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