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IFF/Fiocruz celebra o Dia Nacional da Consciência Negra com reflexão e debate

Kátia Souza, Louise Silva, Roseli Rocha e Carolina Rocha

10/12/2018

Por: Everton Lima (IFF/Fiocruz)

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Em celebração do Dia Nacional da Consciência Negra, comemorado em 20/11, o Comitê Pró-Equidade de Gênero e Raça da Fiocruz realizou, em 22/11, no Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira (IFF/Fiocruz), a mesa-redonda Desigualdades étnico-raciais 130 anos da “abolição”: história de resistência e desafios. Responsável por conduzir o evento, a coordenadora técnica do Serviço Social do IFF/Fiocruz e membro do Comitê Pró-Equidade de Gênero e Raça da Fiocruz Roseli Rocha contou que o objetivo do encontro foi possibilitar reflexões acerca do tema, de luta e resistência em defesa dos direitos e combate ao racismo e todas as formas de discriminação.

Iniciando a mesa de abertura, a coordenadora da Coordenação-Geral de Gestão de Pessoas (Cogepe/Fiocruz) e uma das coordenadoras da Coordenação Colegiada do Comitê Pró-Equidade de Gênero e Raça da Fiocruz Andrea da Luz Carvalho comentou que, desde 2009, a Fiocruz conta com o Programa Pró-Equidade de Gênero e Raça, que visa promover a igualdade de oportunidades e de tratamento entre homens e mulheres nas organizações públicas e privadas. “Somos ativistas nos temas sobre gênero e raça, e novembro é um mês muito importante para nós, com várias atividades em prol da Consciência Negra. Nós consideramos que essa questão é a maior entre as desigualdades e exige a nossa vigilância constante”, afirmou ela.

O diretor do Centro de Estudos Olinto de Oliveira (CEOO), Antonio Flávio Meirelles, destacou que tudo o que temos de indicador social desde a escravidão e a partir da pseudo-abolição, não aponta para uma equidade de raça. “O CEOO se sente cumprindo a sua missão de ser um espaço democrático, de defesa de direitos, que valoriza a necessidade das discussões sobre gênero, raciais, sociais e científicas, que precisam resistir”, defendeu ele.

Com a palavra, a psicóloga e coordenadora de Ensino do IFF/Fiocruz Martha Nunes Moreira, representando a Direção do Instituto, avaliou o evento como fundamental para questionar o significado de liberdade, e lembrou que precisamos manter ativa uma série de bandeiras importantes. “Valorizamos mais do que nunca a possibilidade de trazer essas discussões para o interior do Instituto. É preciso que as instituições tenham cor, precisamos saber quem são as pessoas, onde elas estão e elas precisam ocupar os espaços. Hoje, estamos muito felizes, pois estamos sendo buscados por alunos negros para fazerem mestrado e doutorado com a gente, e outros cursos também, como os de capacitação profissional”, celebrou ela.

Para encerrar a mesa de abertura, o chefe de Gabinete da Presidência da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Valcler Rangel, reforçou que, além do debate na sociedade, trazer esse elemento para gestão pública é crucial para termos esse olhar diferenciado do racismo estrutural, que está presente em todos nós, e para enfrentar só com conhecimento. “A reflexão sobre a questão da escravidão e do racismo estrutural é um debate central na sociedade brasileira. Essa abordagem precisa ganhar espaço, e é fundamental para que possamos enfrentar as péssimas consequências trazidas, a ponto de ao olhar um negro já ter um estereótipo, uma conclusão do que é aquela pessoa, sempre diminuindo, achando que é mais incompetente, que tem menos conhecimento, mais violenta, e isso são grandes mentiras construídas no decorrer da história”, finalizou ele.

Dando continuidade, a historiadora, escritora e doutoranda em sociologia no Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) Carolina Rocha iniciou o debate com o tema Negro: de escravo a “cidadão”. Para contextualizar, informou que o escravo era considerado propriedade, então não tinha o status de humanidade, e que o Brasil foi o último país do mundo a abolir a escravidão, devido a uma pressão interna dos abolicionistas e externa para que entrasse em uma fase capitalista.

Sobre o preconceito, existente desde essa época, Carolina explicou que é uma atitude mental, é a dificuldade de lidar com diferenças, como classe, religião, nacionalidade e gênero. Já a discriminação é um comportamento, como evitação, rejeição verbal e agressão física. “Todo mundo entende que existe racismo, mas ninguém quer se entender enquanto racista, isso traz um incômodo imenso para pessoas fenotipicamente brancas, porque significa também assumir privilégios na sociedade”, alertou ela.

A historiadora observou que o racismo não é uma questão individual, e sim de um processo sistêmico, de opressão, um projeto de poder colonizador e de um sistema escravocrata que o Brasil enfrentou durante séculos. Ela defendeu que as teorias sociais são manipuladas politicamente por indivíduos, governos, países e que, hoje, esses princípios que negam a existência de raças biológicas têm sido, convenientemente, usadas para defender a tese de que o racismo não existe. “O fundamento de que o importante é a raça humana, é não levar em consideração o fato de que o imaginário social, o mercado de trabalho, os filmes, a televisão, as instituições e as leis, não estivessem todas pautadas no racismo. Então, é algo muito além da injúria racial e que vem perpassando por toda a organização da sociedade”, esclareceu ela.

Ao final, pontuou a culinária, música, capoeira, religião e luta política, como ligação ao sistema de resistência, através de várias campanhas abolicionistas. “Embora não tenha como resolver um problema de séculos sem política pública, os indivíduos negros reivindicam sua negritude, o que faz parte de recuperar essa identidade de forma positiva. Nasce da consciência de ser protagonista da sua própria história, após ter sua humanidade negada”, concluiu ela.

Na sequência, o doutor em ciências sociais, especialista em história da África e professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) Amauri Pereira citou a Fundação Palmares e a Lei de Cotas como grandes conquistas políticas e ideológicas, além de ressaltar a arte das comunidades. “Onde tem violência, armamento, drogas, mulheres sendo objetificadas, violentadas, consumidas, e várias outras coisas ruins, ao mesmo tempo são lugares onde floresce arte, como música e dança. Precisamos construir fraternidade e disseminar essa mensagem”, declarou ele.

Complementando a opinião de Amauri, a integrante da coordenação executiva do Comitê Técnico de Saúde da População Negra da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro (SMS-RJ), Louise Silva, trouxe para a discussão o tema do Racismo Institucional e suas múltiplas dimensões. Ela alegou que nos atendimentos, os profissionais de saúde devem perceber as necessidades e demandas e não estigmatizar as atitudes e vestimenta. “Não deve haver negligência no atendimento profissional (não olhar, não tocar e oferecer menos números de consultas) e utilização de expressões depreciativas em relação ao usuário negro, assim como, dificuldade em aceitar ser chefiado por profissionais negros e a invisibilidade da população negra nos materiais educativos e promocionais”, analisou ela.

A respeito da invisibilidade, Louise atentou que o conceito tem sido aplicado, em geral, quando se refere a seres socialmente invisíveis, tratados com indiferença. “Há várias formas de invisibilidade social, como a econômica, racial, sexual e etária, e isso nos leva a compreender que o fenômeno atinge somente aqueles que estão à margem da sociedade”, constatou ela.

Louise expôs que, ao analisar os dados, nos deparamos com adoecimentos constantes e mortes violentas para o grupo preto e pardo dentro da saúde. Como solução, garantiu que é necessário caminhar no sentido de transformar esse espaço. “Precisamos ficar atentos, cobrar direitos e começar a olhar nas pesquisas e estudos para essa questão, identificando as pessoas. E, assim, com um olhar mais detalhado, contribuir com o planejamento da saúde”, concluiu ela.

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