16/03/2017
Por: Graça Portela (Icict/Fiocruz)
Segundo a definição da Organização Mundial Saúde (OMS), “pela sua característica sedante-hipnótica, o álcool tem uma forte influência nos acidentes de trânsito”, daí ser considerado um fator “acidentogênico”, ou seja, que afeta diretamente as habilidades de quem conduz um veículo automotor. Lucas Ribeiro, pesquisador associado do LIS que defendeu o seu projeto de qualificação junto ao PPGICS/Icict, intitulado Consumo abusivo de álcool e envolvimento em acidentes de trânsito: resultados da Pesquisa Nacional de Saúde, Brasil, 2013, afirma que “os efeitos desencadeados pela alcoolemia muitas vezes podem provocar atitudes de risco”, tais como dirigir em velocidades elevadas e desrespeitar sinais vermelhos, por exemplo. O resultado disto pode ser visto nos acidentes mapeados pela Polícia Rodoviária Federal (PRF), no período entre 2011 e 2015.
No infográfico é possível observar que, apesar de o número total de acidentes por embriaguez ter diminuído, sua relação com o número total de acidentes de trânsito vem aumentando a cada ano. O aumento do uso do etilômetro (‘bafômetro’) pela PRF pode, segundo o diretor-presidente do Observatório Nacional de Segurança Viária (ONSV), José Aurélio Ramalho, explicar esse aumento. Mas, ele também chama a atenção para o comportamento do motorista/motociclista: “a infeliz insistência de parte dos condutores em associar o álcool com direção resultam (também) no aumento nos casos de acidentes por suposta ou comprovada embriaguez”, explica.
Motocicletas no trânsito
Segundo o relatório do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) Acidentes de Trânsito nas Rodovias Federais Brasileiras: caracterização, tendências e custos para a sociedade (2015), desde 2003 a frota nacional de veículos aumentou 136,5%, com destaque para automóveis (102,6%) e motocicletas (269,8%). Destaca-se no relatório do Ipea que o acréscimo de motocicletas no Nordeste neste período foi de 414%, o que segundo os autores do relatório aumenta “os conflitos nas ruas e rodovias e, consequentemente, a quantidade de vítimas de trânsito.”
A partir dos dados da PNS 2013, Giseli Damacena observa que das pessoas que afirmaram ter se envolvido em acidentes de trânsito, “45,2% eram condutores de motocicleta e, dentre os que referiram consumo abusivo de álcool, esse percentual aumenta para 54%”. No relatório do Ipea, em 2014, as motocicletas estiveram envolvidas em 18,3% dos acidentes nas rodovias federais, “mas em cerca de 30% das mortes totais havia o envolvimento de pelo menos um desses veículos, assim como em 40,6% dos casos com vítimas com lesões graves”, aponta o relatório.
Em relação aos motociclistas, que a cada ano aparecem como “os mais propensos a sofrerem acidentes de trânsito com lesões principais vítimas e ao mesmo tempo infratores de trânsito”, Giseli Damacena apela para propagandas exclusivas para esse tipo de público: “campanhas em relação à importância do uso do capacete e intervenções mais voltadas ao consumo de álcool, para esse tipo de condutor, poderiam auxiliar a diminuir as taxas de acidentes.”
Motivação perigosa
Em sua análise da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) 2013, Giseli Damacena afirma que são os os homens entre 30 e 39 anos, com ensino médio completo ou mais, são aqueles que mantém o comportamento de beber e dirigir. Segundo ela, pelos dados analisados, “solteiros ou divorciados são os que mais bebem e dirigem em seguida”, afirma. Para José Aurélio Ramalho, o que leva o brasileiro a ter esse comportamento é “a cultura da impunidade, com a sensação de onipotência. Brasileiros acham que coisas ruins acontecem aos outros”.
O diretor presidente do Observatório Nacional de Segurança Viária acredita que “aumentar a percepção do risco do condutor é um trabalho que precisa ser feito para chamar a atenção sobre o que seu ato pode produzir; lesões ou morte, por exemplo”. Segundo ele, “as campanhas e maior fiscalização são os caminhos para mudar essa cultura”.
Ramalho defende que as multas aplicadas por dirigir alcoolizado têm caráter educativo. “Elas chamam a atenção do condutor que desrepeitou as regras”, diz. Para ele, as punições são “democráticas, à medida que os valores pagos se revertem para o trânsito, na forma de ações educativas, de medidas de engenharia de tráfego e fiscalização em benefício de toda a sociedade”, afirma.
Acidentes x custos
Em 2015, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) divulgou o relatório “Acidentes de Trânsito nas Rodovias Federais Brasileiras: caracterização, tendências e custos para a sociedade”, no qual levantava os custos médios dos acidentes em vias federais.
Segundo o estudo, que analisou cerca de 170 mil acidentes de trânsito nas rodovias federais brasileiras, ocorridos em 2014, foram consumidos R$ 12,3 bilhões, sendo que “64,7% dos custos estavam associados às vítimas dos acidentes, como cuidados com a saúde e perda de produção devido às lesões ou morte, e 34,7% estavam associados aos veículos, como danos materiais e perda de cargas, além dos procedimentos de remoção dos veículos acidentados”.
Outro detalhe que se destaca no estudo do IPEA é o custo por gravidade de acidente.
O relatório aponta que “em média, cada acidente custou à sociedade brasileira R$ 72.705,31, sendo que um acidente envolvendo vítima fatal teve um custo médio de R$ 646.762,94. Esse tipo de acidente respondeu por menos de 5% do total de ocorrências, mas representou cerca de 35% dos custos totais, indicando a necessidade de intensificação das políticas públicas de redução não somente da quantidade dos acidentes, mas também da sua gravidade”.
Para se ter uma ideia do impacto no trecho do documentário “Saúde em trânsito”, é possível ouvir o depoimento de Eliane Araujo, do Centro de Reabilitação do Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia (Into), que fala do impacto desses acidentes na saúde e o relato de uma vítima.
Segundo Giseli os acidentes de trânsito geram um forte impacto no sistema de saúde: “alguns estudos relacionados aos gastos hospitalares mostram que o custo do cuidado com problemas ligados ao consumo de álcool é muito maior do que a capacidade do Estado em arrecadar com a distribuição e venda do produto. Esse fato demonstra claramente a importância de se reverter urgentemente o quadro dessa questão de saúde pública, tão preocupante para a população brasileira.”, afirma.
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