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Fortalecer as mulheres negras para avançar a saúde


25/07/2024

Angélica Almeida e Karine Freitas / Agenda de Saúde e Agroecologia/ VPAAPS

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O Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra reafirma a resistência feminina contra as desigualdades

O 25 de julho marca no calendário internacional a união das mulheres negras contra as desigualdades. Por meio da Lei nº 12.987/2014, no Brasil também se celebra o Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra, lembrando a líder que comandou por 20 anos o quilombo de Quariterê – a maior comunidade de resistência negra da capitania do Mato Grosso. 

Tereza, Dandara, Luísa Mahin e tantas outras foram fundamentais contra a escravização. Apesar do apagamento histórico da contribuição feminina negra e indígena, a luta por justiça continua em inúmeras  mulheres e seus movimentos, que seguem construindo horizontes de vida digna para suas famílias e comunidades.

Desigualdade históricas e persistentes

Os séculos de violência colonial estabeleceram desigualdades profundas na América Latina. O Brasil foi o país que mais recebeu pessoas africanas sequestradas: quase 5 milhões de seres humanos submetidos à escravização que durou mais de 300 anos. 

Com a imposição de um modelo exploratório, monocultor e latifundiário, a colonização moldou de forma drástica as experiências das vidas negras. As mulheres negras e indígenas foram animalizadas, reduzidas à mão de obra e a objeto sexual.

A abolição foi decretada em 1888, mas pouco mudou a condição de exploração das pessoas negras, uma vez que inseriu a população "livre” na sociedade de classes sem qualquer tipo de política de apoio. Em conjunto com o alto índice de imigrantes europeus nos postos assalariados, as pessoas negras foram empurradas para atividades consideradas periféricas, marginais e fisicamente desgastantes.

Frente à ordem racista, patriarcal e de classes, para as mulheres negras restou o serviço doméstico: uma extensão da condição subalterna desde a casa grande à casa das famílias burguesas, como denunciam diversas intelectuais e ativistas negras. Entre as quase seis milhões de pessoas ocupadas no serviço doméstico, mais de 67% são mulheres negras e apenas em 2013 os direitos trabalhistas desta categoria foram promulgados por meio da PEC nº 72/2013. De acordo com pesquisa do Dieese em 2023, a ampla maioria das pessoas desta categoria estava na informalidade (75,3%), sem contribuição para a previdência social (64,7%), em situação de pobreza (26,2%) ou de extrema pobreza (13,4%).

São vários os indicadores sociais e econômicos que revelam como as desigualdades de classe, raça e gênero marcam a vida das mulheres. 

Levantar-se contra as desigualdades

Se é preciso denunciar como o racismo opera, é também importante demarcar os processos de resistência construídos. As mulheres negras carregaram legados de seus lares ancestrais que contribuíram para organizar as lutas por liberdade e, mesmo invisibilizadas, influenciaram a formação social brasileira.

Desde o período colonial, as mulheres negras construíram estratégias para enfrentar a lógica dominante da plantation – um sistema que ainda deixa marcas, excluindo as diversidades da terra e das formas de pensar, monoculturas da mente e dos alimentos. Elas estiveram à frente de quilombos, dos cultos de Candomblé, das manifestações culturais (como o Samba), da produção e circulação de alimentos, da medicina tradicional, entre outras.

Hoje, elas seguem em luta contra o processo de feminização da pobreza acentuado pela globalização. Como afirma a intelectual Sueli Carneiro, é esta consciência que tem levado a ações na América Latina, no Caribe e nos países do primeiro mundo. A instituição do dia 25 de julho pela ONU é parte deste processo, fruto do 1º Encontro de Mulheres Afro-latino-americanas e Afro-caribenhas realizado em 1992 na República Dominicana, com a presença de representantes de 32 países.

No Brasil, 55,5% da população se autodeclara negra. As mulheres negras representam o maior grupo populacional (60,6 milhões), correspondendo a 28% da população (Informe MIR, 2023). Este dado reforça a diversidade de mulheres, suas comunidades e territórios, sejam do campo, das florestas, das águas ou das cidades. 

São vários os movimentos políticos de mulheres, responsáveis por criar formas de resistências às violências raciais e de gênero, e por incidir na garantia de direitos. A Marcha das Mulheres Negras e a Marcha das Margaridas são expressões que demonstram a potência das mulheres em movimento.

Lembrando do legado de Margarida Alves, trabalhadora rural e sindicalista assassinada, a Marcha das Margaridas é uma das mobilizações mais expressivas do Brasil. Foto: Angélica Almeida.
 

Fortalecer a agroecologia é também fortalecer as mulheres, a saúde e a luta contra o racismo

As diretrizes dos dois últimos Congressos Internos da Fiocruz reafirmam a importância de se avançar na construção de uma ciência cidadã, que fomente estudos e pesquisas com articulação de saberes técnicos, científicos e tradicionais.

A Política Nacional de Saúde Integral da População Negra, instituída em 2009, é fruto da luta dos movimentos negros. Entre os muitos desafios à sua efetivação, é demandada a realização de mais estudos sobre a saúde da população negra e com protagonismo de pessoas negras. 

Nesta direção, a Agenda de Saúde e Agroecologia da Vice-Presidência de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde (VPAAPS) tem conduzido investigações em rede, reconhecendo e fortalecendo o protagonismo das mulheres na promoção da soberania e da segurança alimentar e nutricional, da agroecologia e da saúde urbana. 

Saiba mais:

Mulheres Quilombolas se dedicam à agroecologia como estratégia para promoção da saúde em suas comunidades

As mulheres negras são fundamentais na construção do campo agroecológico. Não se pode construir agroecologia separada do conhecimento das mulheres e de seus territórios originários, tradicionais e de favelas, bem como da luta pela demarcação e por reforma agrária. Fortalecer as mulheres é, também, fazer avançar a saúde das comunidades e a justiça social.

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