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Presença feminina na Fiocruz

Mosaico com fotos de dez pesquisadoras da Fiocruz

18/05/2015

Keila Maia / Intranet Fiocruz

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A cientista Bertha Lutz nunca integrou oficialmente o quadro de funcionários da Fiocruz, mas passou boa parte da vida frequentando as instalações de Manguinhos para auxiliar nas pesquisas do pai, o cientista Adolpho Lutz. Era conhecida por todos os pesquisadores do ainda Instituto Oswaldo Cruz (IOC) e reconhecida, nacionalmente, por sua luta pela igualdade entre os gêneros. Ela, que em 1919 se tornou secretária do Museu Nacional e foi a segunda mulher a ingressar no serviço público, até então restrito aos homens, ficaria feliz ao saber que, hoje, a maior parte da força de trabalho da Fundação é constituída por profissionais do sexo feminino. São 7.037 mulheres e 6.400 homens, de acordo com dados fornecidos pela Diretoria de Recursos Humanos.

“É um número que cresceu bastante nos últimos anos, especialmente a partir do momento em que a Fiocruz passa a oferecer oportunidades não apenas no campo da pesquisa biomédica. A quantidade de funcionários aumentou, outras áreas passaram a ter importância, como a arquitetura, a história, a comunicação... Além disso, as possibilidades de formação e também a readoção dos concursos públicos permitiram a entrada de mais mulheres”, destaca a historiadora Nara Azevedo, pesquisadora da Casa de Oswaldo Cruz (COC) e diretora no período de 2005 a 2013.

Segundo Nara, é na década de 1920 que a Fiocruz começa a receber as primeiras mulheres. Os cursos de aplicação oferecidos pelo Instituto Oswaldo Cruz desde 1908 foram a porta de entrada. Mas os campos de trabalho só começariam a se abrir para profissionais do sexo feminino após a Segunda Guerra Mundial, época em que ocorre uma valorização da ciência e, consequentemente, do cientista.

“Inicialmente, as mulheres chegam, por meio de seus professores que trabalhavam aqui, para atuarem nos laboratórios. Assim como acontecia com os alunos homens, vinham como estagiárias, sem remuneração, ou, às vezes, recebiam bolsas financiadas por agências estrangeiras. Na década de 1960, com a abertura de concurso público, várias seriam aprovadas e começariam, a partir daí, a receber salário”, informa Nara Azevedo.

Os anos 1970, marcados por um aumento no número de vagas nas universidades, permitiriam mais oportunidades de formação em nível superior para ambos os sexos. Mas a primeira metade da década seria problemática para a instituição, que perderia dez cientistas, cassados pela ditadura militar, desarticulando, assim, várias linhas de pesquisa. Nessa época, o regime estatuário foi extinto, e os servidores que quiseram permanecer no Instituto passaram a ser regidos pela CLT.

De acordo com a cientista política Wanda Hamilton (COC/Fiocruz), em 1974, faziam parte do quadro de pessoal 70 cientistas; desse total, 18 eram mulheres, ou seja, cerca de 25%. Isso depois que já havia sido constituída a Fundação Oswaldo Cruz, que passou a englobar, em 1970, o Instituto Oswaldo Cruz, a Escola Nacional de Saúde Pública, o Instituto de Produção de Medicamentos, o Instituto Fernandes Figueira, o Instituto de Endemias Rurais, o Instituto Evandro Chagas e o Instituto de Leprologia.

Novos ares

A partir de 1975, a Fundação ganharia novas unidades e entraria em um ciclo de contratações. Um projeto de reconstrução da Fiocruz, que havia passado por momentos turbulentos durante a ditadura, possibilitaria que muitos profissionais – homens e mulheres – reconhecidos por seus trabalhos em universidades e em outras organizações, fossem convidados a fazer parte do quadro de funcionários. É nessa época que chega à Fiocruz uma das mais marcantes pesquisadoras da instituição: Maria Deane. A cientista forneceu contribuições significativas para o desenvolvimento na área de protozoologia e, na Fiocruz, em 1984, foi quem descreveu, pela primeira vez, o duplo ciclo de multiplicação do Trypanosoma cruzi, agente etiológico da doença de Chagas, no gambá. A descoberta foi importante por esclarecer a epidemiologia da doença em áreas livres de barbeiros domiciliados.

Maria Deane chegou à Fundação em 1980, assumindo a chefia do Departamento de Protozoologia do IOC, onde ainda foi vice-diretora. Morreu em 1995, dois anos depois do também renomado cientista Leônidas Deane com quem era casada. Durante todo o tempo em que ficou na Fiocruz, esteve à frente de importantes projetos.

Foto de Jeorgina Gentil RodriguesAssim como ela, outras mulheres ingressam na Fiocruz nesse período e assumem a coordenação de grupos de pesquisa. A pesquisadora do Icict Jeorgina Gentil Rodrigues, que em 2014 defendeu uma tese em que analisa a participação feminina na pesquisa da Fiocruz entre 1996 e 2010, confirma que, de fato, as mulheres ganharam espaço também nas instâncias propositivas da Fiocruz nos últimos anos. Dados fornecidos pela Diretoria de Recursos Humanos dão a dimensão dessa conquista: atualmente, são 410 mulheres e 384 homens em cargos de chefia.

Exemplos dessa liderança feminina na pesquisa não faltam. Doutora em parasitologia molecular, Yara Traub Cseko veio para a Fiocruz a convite do cientista Carlos Morel em 1983 e, desde então, coordena pesquisas nas áreas de bioinformática, biologia molecular e celular de tripanossomatídeos (um tipo de parasita) no IOC.

“Penso que, na ciência, essa questão do gênero não faz muita diferença. O que faz diferença é correr atrás, é levantar recursos... Sempre pude realizar meu trabalho sem interferências e sem perceber qualquer preconceito pelo fato de ser mulher. A Fiocruz interfere pouco no trabalho do cientista, o que é bom”, afirma Yara.

A chefe do Laboratório de Hanseníase do IOC, Euzenir Sarno, concorda. Para ela, que está na Fiocruz desde 1986, a liderança também veio de forma natural e o fato de ser mulher nunca se constituiu obstáculo.

“Temos um histórico de mulheres fortes, que já passaram por aqui, e muitas outras que ainda estão na Fiocruz, fazendo história. Keila Marzog, Tania de Araújo-Jorge, Nísia Trindade, Patrícia Boza, Ilma Noronha, são alguns desses nomes... Mas poderia citar ainda muito mais. São exemplos de que o gênero não interfere na atuação”, ressalta.

A socióloga e doutora em saúde pública Cecília Minayo está há 25 anos na Fundação. À frente do Centro Latino-Americano de Estudos de Violência e Saúde Jorge Careli (Claves/Ensp) e como editora da revista Ciência e Saúde Coletiva, considera a Fiocruz uma instituição importantíssima quanto à igualdade entre gêneros no campo científico.

“Aqui, as oportunidades para homens e mulheres são as mesmas, tendo como critério o mérito”, ressalta Cecília que em 2014 foi agraciada com o Prêmio Direitos Humanos, concedido pela Presidência da República.

E nos postos de direção?

Entretanto, em sua tese, Jeorgina Gentil destaca que, nos cargos de comando da Fundação, a presença feminina é ainda muito pequena. No Conselho Deliberativo da Fiocruz – composto pelo presidente, vice-presidentes, chefe de gabinete, por um representante da Asfoc e pelos dirigentes máximos das unidades (técnico-científicas, técnicas de apoio e técnico-administrativas) –, das 37 cadeiras, apenas 9 são ocupadas por mulheres. Mas quais seriam os motivos para a baixa predominância nos altos postos de direção?

Para a diretora da Fiocruz Minas, Zélia Profeta, uma possível resposta, colocada em alguns trabalhos e textos que tratam do tema, talvez possa ser a questão da dificuldade de conciliação entre a vida familiar e o trabalho. "A vida acadêmica exige muita dedicação. Conciliar a vida acadêmica e mais as atividades que a direção de uma unidade exige é de fato muito complexo. Mas considero importante que mais mulheres entrem nessa seara da disputa e atuação da política de direção institucional’, avalia.

A vice-presidente de Ensino, Informação e Comunicação, Nísia Trindade, concorda que uma das razões se deva ao fato de as responsabilidades com a família e no que se refere aos cuidados com os filhos recaírem, predominantemente ou mesmo exclusivamente, sobre as mulheres. “É como se as vozes, explícitas e veladas, da sociedade, dos namorados e dos companheiros, dos colegas nos dissessem: já alcançou o mundo do trabalho, não é suficiente? Por que tanta ambição?”

Entretanto, na opinião de Nísia, há ainda outras questões envolvidas. Segundo ela, as barreiras muitas vezes são sutis e estão associadas aos estereótipos sobre os papéis de gênero e sobre o exercício do poder. “Jamais vou me esquecer que, ao assumir a direção da Casa de Oswaldo Cruz, em 1997, uma colega me disse: ‘Veja bem, você vai cortar um dobrado no CD [Conselho Deliberativo da Fiocruz]. Com este jeito feminino, sei não, lá tem que ser macho’. Penso, então, que uma das conquistas a fazer é romper com esses estereótipos, o que, aliás, muitas lideranças femininas sempre observam”, reflete.

Para a pesquisadora Tania de Araújo-Jorge, diretora do Instituto Oswaldo Cruz no período de 2005 a 2013, a presença masculina nos cargos de direção da Fiocruz é maior porque as mulheres se candidatam menos. Ela acredita que, para a mulher, não é meta de vida “ser chefe” como é para o homem. “No meu caso, por exemplo, assumir a direção do IOC foi contingência do momento. Não era meu objetivo ser diretora; minha meta mesmo era ser boa pesquisadora, ser boa cientista. Por isso mesmo, nunca desgarrei de minhas raízes e passei os oito anos na direção, mantendo meus alunos, minha disciplina de Ciência e Arte e minhas atuações em bancas avaliadoras e como parecerista”, conta.

Se os motivos para a baixa predominância de mulheres nos postos de comando são imprecisos, quais seriam, então, as razões para se dispor a assumir cargos que, sem dúvida, exigem tanta entrega e disposição?

Para Zélia Profeta, que havia passado pela vice-direção e atuado algum tempo como diretora interina, o estímulo foi perceber que havia receptividade por parte das pessoas em relação ao trabalho que estava sendo feito.

Tania de Araújo-Jorge, que também já tinha participado de outras instâncias diretivas no IOC, como câmaras técnicas e congresso interno, também destaca o respaldo das pessoas mais próximas.

“Em 2005, na época da composição de chapa, eu havia indicado outra pessoa, mas, aí, acabei sendo indicada. Então, consultei dois dos grupos de que participava –laboratórios e docentes- e recebi total apoio”, conta. Segundo Tania, a elaboração coletiva de um programa para a direção foi decisiva para a segurança do exercício do cargo, bem como para a candidatura à presidência em 2012, quando se tornou a primeira mulher a se candidatar ao posto mais alto da Fiocruz.

O apoio da equipe também está presente nas lembranças de Nísia Trindade. “Candidatei-me à direção da unidade, depois de intenso processo de discussões. Posso dizer que foi uma construção coletiva e da qual me orgulho muito”, diz.

O interessante é que, em alguns estudos, a falta de apoio por parte dos pares, dos colegas e de todo o corpo de funcionários que compõem uma organização é citada como uma das causas de poucas mulheres ocuparem cargos de direção. No caso da Fiocruz, se não é possível chegar a essa conclusão, pelo menos, já dá para saber que, para quem chegou lá, o apoio foi um incentivo de grande importância.

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Comitê de Gênero e Raça

A pesquisadora Maria Deane foi quem descreveu, pela primeira vez, o duplo ciclo de multiplicação do Trypanosoma cruzi, agente etiológico da doença de Chagas, no gambá

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