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Workshop sobre resistência a inseticidas mobiliza especialistas de quase 30 países


15/12/2016

Maíra Menezes (IOC)

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De um lado, cidades que crescem aceleradamente, conectadas por rápidos meios de transporte. De outro, um arsenal limitado de inseticidas, explorado intensamente ao longo de décadas. No centro desse cenário, mosquitos transmissores de doenças que, cada vez mais, se espalham pelo planeta e se tornam capazes de resistir aos produtos químicos disponíveis para combatê-los. O painel que favorece a disseminação de infecções como dengue, Zika e chikungunya foi destacado nesta segunda-feira, 05/12, no primeiro dia do workshop internacional sobre resistência a inseticidas em vetores de arboviroses – doenças causadas por vírus que são transmitidos por insetos. Realizado no Rio de Janeiro, o evento foi o primeiro seminário promovido pela Rede WIN (Worldwide Insecticide Resistance Network), composta por pesquisadores de 16 instituições reconhecidas internacionalmente, incluindo o Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), que foi anfitrião da atividade. Intitulado ‘Insecticide resistance in vectors of emerging arboviruses: challenges and prospects for vector control’, o workshop reuniu mais de 150 participantes de aproximadamente 30 países. Nos três dias do evento, foram registrados mais de 70 mil acessos remotos à transmissão online das palestras e discussões.

Evento reúne mais de 150 participantes, originários de cerca de 30 países nas seis regiões da OMS: África, Américas, Sudeste Asiácio, Europa, Leste Mediterrâneo e Pacífico (Foto: Gutemberg Brito).

O grande número de participantes em diferentes regiões do planeta aponta para a relevância que o controle vetorial e o tema da resistência aos inseticidas ganharam nos últimos anos. Na mesa de abertura, o impacto das doenças transmitidas pelo Aedes e a importância de ferramentas integradas para manejo de vetores foram destacados. “Nos últimos anos, assistimos aos efeitos devastadores da Zika e ao avanço da chikungunya, enquanto a dengue permanece como um grave problema de saúde pública. Considerando o papel dos inseticidas nas ações de controle, é muito importante discutir o manejo desses produtos”, afirmou a coordenadora do Programa Nacional de Controle da Dengue do Ministério da Saúde, Ana Carolina Santelli. “O uso indiscriminado de inseticidas pode favorecer a resistência entre os mosquitos. Por isso, essa ferramenta precisa ser usada de forma complementar às demais ações de controle vetorial”, acrescentou a vice-diretora de Serviços de Referência e Coleções Biológicas do IOC, Eliane Veiga da Costa.

O alcance global do problema da resistência a inseticidas e a importância da pesquisa científica para superar os desafios no combate ao Aedes também foram ressaltados. “Precisamos de evidências para preencher lacunas no conhecimento e subsidiar nossas ações de controle de vetores. A organização deste workshop é extremamente oportuna, e a presença de representantes das seis regiões da Organização Mundial da Saúde (OMS) é muito significativa”, enfatizou a líder da área de vetores do Programa Especial para Pesquisa e Treinamento em Doenças Tropicais (TDR, na sigla em inglês) da OMS, Florence Fouque. “O controle vetorial pode funcionar se as ferramentas forem integradas, mas é necessário sair de uma perspectiva de gestão de surtos para intervenções sustentadas e com base científica sólida”, avaliou o coordenador de ecologia e manejo de vetores do Departamento de Doenças Tropicais Negligenciadas da OMS, Raman Velayudhan. “As doenças emergentes são uma prioridade mundial, e a cooperação internacional é fundamental para enfrentá-las”, disse o cônsul geral adjunto da França, Jean François Laboire.

 

Ademir Martins ressaltou a importância da colaboração entre instituições de pesquisa, governos, organizações internacionais, iniciativa privada e sociedade civil (Foto: Gutemberg Brito).

Segundo os integrantes da Rede WIN, que organizaram o evento, o levantamento e o compartilhamento de informações devem ser a primeira etapa para enfrentar o problema da resistência aos inseticidas. “O Aedes foi eliminado no passado, no Brasil e em boa parte das Américas. Porém, o cenário atual coloca desafios diferentes tanto cientificamente, quanto política e culturalmente. Por isso, precisamos reunir pessoas com perspectivas variadas para identificar as lacunas no conhecimento e os temas que merecem foco especial”, declarou o pesquisador do Laboratório de Fisiologia e Controle de Artrópodes Vetores do IOC Ademir Martins, membro do comitê executivo da Rede. “É necessário mapear a situação da resistência aos inseticidas em mosquitos vetores de arboviroses no mundo, especialmente identificando locais onde o problema pode reduzir a eficácia das ações de combate a doenças. Esse conhecimento é fundamental para auxiliar os governos nas decisões relacionadas às estratégias de controle vetorial”, resumiu o pesquisador do Instituto de Pesquisa para o Desenvolvimento, na França, Vincent Corbel, líder da Rede.

 

Mecanismos da resistência
Investigando mecanismos moleculares que contribuem para a resistência de mosquitos aos inseticidas, a pesquisadora do Instituto de Ciências da Evolução de Montpellier, na França, Mylène Weill mostrou que diversas mutações genéticas podem permitir aos insetos sobreviver aos produtos aplicados. No entanto, no dia-a-dia, o processo de seleção dos mosquitos resistentes é resultado da combinação de dois fatores: as características genéticas dos mosquitos e a pressão seletiva exercida pelo ambiente. Segundo Mylène, em muitos casos, os insetos que apresentam mutações de resistência têm o seu ciclo de vida e o desempenho nas mais diversas atividades prejudicados. Ou seja, eles levam mais tempo para se desenvolver, se reproduzem menos e morrem mais rapidamente, o que é chamado de ‘custo de fitness’. Apesar disso, esses mosquitos podem se tornar predominantes nos locais onde os inseticidas são utilizados. “Quanto maior ‘custo de fitness’, melhor para o manejo da resistência, porque podemos tentar reverter o perfil de resistência na população de mosquitos suspendendo o uso ou fazendo rodízio de produtos”, explicou a pesquisadora, fazendo a ressalva de que é preciso considerar os diversos usos de inseticidas na sociedade. “Em Montpellier, a resistência aos inseticidas da classe dos organofosforados não foi eliminada após a suspensão do uso desses produtos no controle vetorial. Acreditamos que isso possa estar relacionado com a aplicação de pesticidas na agricultura”, ponderou.

O impacto da globalização para a disseminação da resistência aos inseticidas entre mosquitos foi discutido pela pesquisadora da Universidade de Rutgers, nos Estados Unidos, Dina Fonseca. “Para prever a disseminação da resistência é preciso compreender a globalização dos mosquitos”, disse a cientista, que mostrou o exemplo de uma espécie de Aedes característica do Japão, chamada de Aedes japonicus, que começou a se espalhar no final do século XX e rapidamente se disseminou para os EUA e a Europa. Embora não seja um vetor importante de doenças, o mosquito é apontado como um exemplo, capaz de evidenciar o deslocamento acelerado dos insetos que acompanha a movimentação de pessoas e mercadorias. Segundo Dina, os dados coletados revelam que múltiplas introduções do A. japonicus ocorreram nas últimas décadas em diferentes regiões do planeta. “A globalização pode favorecer a disseminação da resistência porque populações de mosquitos resistentes podem ser introduzidas em novas áreas. Ao mesmo tempo, torna-se mais difícil diferenciar situações de falhas de controle dos episódios de reintrodução”, comentou a pesquisadora, enfatizando a necessidade da colaboração científica para mapear as origens dos mosquitos e investigar formas de interromper a disseminação da resistência.

Em debate, pesquisadores avaliaram que o desenvolvimento de vacinas não reduz a necessidade de controle vetorial, uma vez que o Aedes é um vetor potencial de diversas doenças (Foto: Gutemberg Brito).

 

Plano de resposta global
Em elaboração desde agosto, um novo plano de ‘Resposta Global para Controle de Vetores’ deve ser apresentado na próxima assembleia geral da OMS, em maio de 2017. A construção do documento foi uma das respostas da entidade após a disseminação do vírus Zika, que chamou atenção para o “fracasso maciço das políticas de controle vetorial”, segundo a diretora geral da OMS, Margaret Chan. Um dos envolvidos no projeto, o coordenador de ecologia e manejo de vetores do Departamento de Doenças Tropicais Negligenciadas da OMS, Raman Velayudhan, afirmou que o baixo investimento e a falta de continuidade das iniciativas são os principais entraves para a efetividade das políticas de controle vetorial. De acordo com ele, o combate aos mosquitos nos ambientes urbanos, habitat preferencial do Aedes aegypti, é complexo, mas existem exemplos bem-sucedidos em países diversos como Singapura, Cuba e Sudão. “Esse é o elefante na sala e não podemos mais ignorá-lo. Nos próximos cinco a dez anos, 75% da população global será urbana e existem cerca de 500 vírus com potencial para transmissão nessas áreas. Precisamos passar de uma abordagem reativa para uma ação planejada de controle vetorial”, disse Raman.

Algumas estratégias disponíveis atualmente para o manejo integrado de vetores foram detalhadas pela pesquisadora da Universidade de Durham, no Reino Unido, Anne Wilson. Segundo ela, o controle do Aedes precisa ter por base três pilares: as ferramentas de controle vetorial, que devem ir além dos inseticidas; o engajamento das comunidades, que busca estimular a participação da população na prevenção das doenças; e o engajamento de setores governamentais fora da área da saúde, com o objetivo de melhoria nos serviços públicos como fornecimento de água, drenagem e coleta de lixo. Citando exemplos de ações exitosas, Anne disse que um estudo realizado no México apontou redução nos criadouros do Aedes após um programa de estímulo à reciclagem. “O manejo integrado de vetores é uma estratégia contra a resistência, porque pode reduzir a aplicação de inseticidas. É necessário investir em estudos que avaliem a eficácia das diferentes medidas e trabalhar para construir cidades que sejam desfavoráveis à proliferação do mosquito”, afirmou ela.

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