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Pesquisa aponta risco de mortalidade associado a ondas de calor no Rio de Janeiro

Foto do evento de apresentação da pesquisa

17/03/2016

Por: Maíra Menezes (IOC/Fiocruz)

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Ondas de calor em que a temperatura média diária chega a 31,55ºC por seis dias consecutivos podem provocar um aumento de 36% no risco de mortalidade na cidade do Rio de Janeiro na comparação com períodos de temperatura média diária de 21ºC. A conclusão é de um estudo realizado por cientistas da Rede de Pesquisas sobre Mudanças Climáticas Urbanas (UCCRN, na sigla em inglês), com participação do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz). O trabalho foi apresentado nesta terça-feira, 15/03, durante o seminário Cidades do Futuro + Saúde, promovido pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), o Columbia Global Centers Rio de Janeiro e a Rede de Pesquisas sobre Mudanças Climáticas Urbanas para América Latina (UCCRN-AL), sediada no IOC. “Existem muitos estudos sobre o risco de mortalidade devido a ondas de calor em áreas de clima temperado, mas é importante notar que o aumento do número de mortes em períodos de altas temperaturas também ocorre em locais com clima quente, como o Rio de Janeiro”, afirmou Martha Barata, pesquisadora do IOC, coordenadora da UCCRN-AL e uma das autoras da pesquisa.

Para calcular o risco de mortalidade associado às ondas de calor, os pesquisadores analisaram as médias diárias de temperatura e as taxas diárias de mortalidade na capital fluminense durante os meses de verão de 2002 a 2014. A temperatura média de 31,55ºC foi encontrada nos dias classificados dentro do 1% mais quente. Segundo Martha, as ondas de calor devem se tornar mais frequentes em consequência do aquecimento global e conhecer a temperatura a partir da qual o risco de mortes é elevado é importante para desenvolver sistemas de alerta. “Em muitas cidades brasileiras, sistemas de alerta já foram implantados considerando os riscos de chuvas fortes, que causam deslizamentos e enchentes. Da mesma forma, é necessário enfrentar o risco das ondas de calor, que podem provocar o agravamento de doenças e aumentar a mortalidade”, ressaltou ela, acrescentando que idosos, crianças, pessoas obesas, indivíduos com doenças cardiovasculares e respiratórias estão entre os grupos mais afetados pelas altas temperaturas.

Entre as medidas de proteção individual que podem ser adotadas nos períodos mais quentes, estão o aumento do consumo de líquidos e a busca por ambientes mais frescos. Alterações da infraestrutura urbana também podem proteger a saúde da população, reduzindo a formação de ilhas de calor. “Em Nova York, após a constatação do risco de mortalidade devido às ondas de calor, foi implantado um programa para plantio de árvores. Nesta ação, mudas foram entregues aos cidadãos, que também assumiram a responsabilidade pela sua manutenção. Investimentos desse tipo podem amenizar o problema e têm o potencial de reduzir os gastos do sistema de saúde para o tratamento de doenças”, ponderou Martha.

Com participação de cientistas do IOC, da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz), da Universidade de Nanjing, na China, e da Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, o estudo sobre o risco relativo de mortalidade associado a ondas de calor será publicado no Relatório de Avaliação sobre Mudanças Climáticas e Cidades (ACR3.2). O documento, que está em fase de conclusão, deve ser divulgado pela UCCRN em outubro deste ano. A Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro (SVS/SMS), o Programa Rio Resiliente e a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) colaboraram no fornecimento de dados para a pesquisa.

Impactos da infraestrutura urbana na saúde
Reunindo cerca de 50 pesquisadores nacionais e estrangeiros interessados em firmar parcerias, o encontro Cidades do Futuro + Saúde contou também com a apresentação da pesquisa Diagnóstico de Saúde em Rio das Pedras. Realizado pela Universidade de Columbia e pela Fiocruz, com apoio do Núcleo de Pesquisa e Cidadania de Rio das Pedras, o estudo revelou características da comunidade que podem impactar na saúde da população. A qualidade da água consumida pelos moradores foi um dos dados que chamaram a atenção dos especialistas. A contaminação por coliformes fecais foi detectada em 75% dos galões de água comprados para consumo, um percentual muito maior do que o verificado na água das torneiras, que ficou em 17% nas amostras coletadas em torneiras nas ruas e 22% naquelas obtidas nas torneiras das cozinhas das casas. Uma das coordenadoras do estudo, Gina Lovasi, professora da Escola de Saúde Pública da Universidade de Columbia, explicou que não é possível estabelecer se a água dos galões estava contaminada antes de ser engarrafada ou se a contaminação ocorreu posteriormente. “Em todo caso, é fundamental observar a data de validade dos galões e fazer a limpeza antes do consumo da água. A higienização periódica também é importante para filtros e caixas d'água”, orientou a cientista.

A pesquisa contou com a participação de voluntários treinados, que percorreram trechos de mais de 600 ruas, englobando quase 90% das vias dos bairros de Areal e Areinha. O extenso levantamento permitiu identificar problemas como: ausência de calçada em 41% das ruas e calçamento em mau estado de conservação em 28%, existência de lixo espalhado em 46% das vias e presença de cem ou mais fios elétricos em 45% dos trechos percorridos. Em 48% das ruas, os pesquisadores encontraram ainda a presença de água parada como resultado de acúmulo de chuvas, transbordamento de esgoto ou descarga de água doméstica. “Atualmente, mais de um bilhão de pessoas vivem em favelas no mundo, mas estas áreas muitas vezes são 'pontos cegos' nos sistemas de vigilância e nas pesquisas. É importante estudar os fatores que impactam a saúde nestes locais, que são áreas de rápido crescimento nas cidades”, comentou Gina.

Planejar é fundamental
Decana da Escola de Saúde Pública da Universidade de Columbia, a pesquisadora Linda Fried destacou que a infraestrutura urbana pode prejudicar a saúde, mas o planejamento adequado pode tornar as cidades aliadas da população. Além de reduzir o calor, com impacto sobre a mortalidade, a construção de parques e áreas verdes estimula a atividade física e ajuda a combater doenças crônicas, como hipertensão e diabetes. Da mesma forma, a oferta de transporte público contribui para que os cidadãos sejam mais ativos e, ao mesmo tempo, reduz a circulação de carros e a poluição, que pode ser um fator de risco para o câncer. Uma das maiores especialistas do mundo em envelhecimento, Linda ressaltou que construir cidades amigáveis para os idosos traz benefícios para toda a população. “Quando projetamos as calçadas pensando nas necessidades dos idosos, criamos um ambiente melhor também para os pais que circulam com carrinhos de bebê e para todas as pessoas com mobilidade reduzida”, contou ela. A pesquisadora ressaltou ainda que adequar as cidades para os idosos será cada vez mais importante devido à tendência de envelhecimento da população. “Não podemos aceitar que essa grande conquista da humanidade, que é o aumento da expectativa de vida, se torne um fardo para as sociedades. Uma população idosa saudável será um grande capital social para as nossas cidades”, declarou a cientista.

Durante o debate, o diretor do IOC, Wilson Savino, ressaltou que o conhecimento obtido nas pesquisas em saúde urbana deve ser levado até os gestores públicos, para que os estudos possam alterar o planejamento das cidades. “A informação baseada no conhecimento científico é uma ferramenta para a transformação da sociedade. Mas, para isso acontecer, precisamos fazer com que os dados alcancem os altos níveis de tomada de decisão”, afirmou Savino. Já o diretor do Columbia Global Centers Rio de Janeiro, Thomas Trebat, destacou o valor da colaboração científica para avançar em desafios que afetam as cidades nas diferentes regiões do planeta. “Isoladamente, não conseguiremos produzir tantos frutos quanto trabalhando em parceria. A colaboração pode ajudar a pensar problemas comuns a diversas cidades como o acesso à infraestrutura urbana e a resiliência diante das mudanças climáticas, além de novos desafios, como o causado pelo vírus Zika”, disse Trebat. Representante da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro no evento, Betina Duvovni, subsecretária de Promoção, Atenção Primária e Vigilância em Saúde, considerou importante a ampliação do foco sobre a saúde urbana na discussão. “Ter em mente que o problema da saúde não está restrito à rede de assistência, como usualmente se pensa, é fundamental para mudar o panorama”, avaliou.

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