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Artigo publicado na Nature Reviews Endocrinology sobre o Timo marca trabalho de 30 anos

Foto da equipe de trabalho do laboratório de pesquisas sobre o Timo do IOC

23/10/2015

Por: Maíra Menezes (IOC/Fiocruz)

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Células indispensáveis nos processos de resposta imune, os linfócitos T são produzidos no timo. Este órgão diminuto, localizado à frente do coração, é responsável pela etapa de amadurecimentos destas células, que atuam como verdadeiros agentes protetores do organismo – tudo isso orquestrado pela influência de uma variedade de hormônios. Conhecer os detalhes deste processo complexo é fundamental para o desenvolvimento de novas terapias. Em um artigo recém-publicado na revista científica Nature Reviews Endocrinology, uma das mais prestigiadas da área, pesquisadores do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) e da Universidade Paris Descartes, na França, reúnem as principais descobertas científicas sobre o timo e apontam perspectivas baseadas em estudos recentes. A publicação do trabalho coincide com o aniversário de 30 anos do Laboratório de Pesquisas sobre o Timo do IOC. “O conhecimento sobre a própria função hormonal do timo e sobre a forma como a produção de linfócitos T é controlada por hormônios evoluiu muito nesses 30 anos. Penso que contribuímos significativamente para esse processo”, comemora o imunologista Wilson Savino, atual diretor do IOC, fundador do Laboratório de Pesquisas sobre o Timo e primeiro autor do artigo.

Um cardápio de 15 hormônios reconhecidos por serem produzidos no timo ou por atuarem sobre o órgão é elencado no trabalho. O hormônio do crescimento se destaca por ser um dos mais investigados pela comunidade científica. Capaz de estimular a produção dos linfócitos T, ele é liberado pela hipófise, uma glândula localizada no cérebro, além de ser produzido pelo próprio timo. Estudos apontam que sua capacidade de induzir a multiplicação celular é acentuada no timo. No órgão, as células que antecedem a formação dos linfócitos T (chamadas precursoras) são afetadas diretamente pelo hormônio do crescimento – e, numa via de mão dupla, também têm potencial para produzi-lo. Além disso, o hormônio do crescimento tem sido estudado como opção auxiliar em pacientes portadores de Aids. Dados indicam que a administração do hormônio juntamente com o coquetel antirretroviral pode contribuir na recuperação da atividade do timo, aumentando a produção de linfócitos T-CD4, que são as principais células atacadas pelo vírus. “Foram feitos testes com um pequeno número de pacientes, com resultado positivo. Mas seriam necessários ensaios de maior porte para a aplicação clínica dessa terapia”, pondera Savino.

O envelhecimento é outro tema em que o conhecimento sobre as ações de controle hormonal no timo pode trazer avanços. A atividade do órgão diminui progressivamente a partir da adolescência, tornando-se muito baixa em pessoas idosas. Isso não significa o fim dos linfócitos T no organismo, já que as células produzidas ao longo da vida permanecem ativas e, quando ocorrem infecções, podem se multiplicar nos chamados órgãos linfóides secundários, como baço e apêndice. No entanto, além de ser limitada, a produção periférica de linfócitos T não gera diversidade, como ocorre no timo. “Quando ocorre a atrofia do órgão, o aporte de novos linfócitos T para o organismo é reduzido. Por isso, o sistema imune do idoso é mais frágil”, afirma Savino. A liberação do hormônio de crescimento também é reduzida com a idade, e pesquisas em modelos animais mostram que a administração de doses deste hormônio é capaz de reverter parcialmente o processo de atrofia do órgão. “O timo é visto em uma perspectiva de rejuvenescimento, porque recuperar o sistema imune poderá resultar em melhores condições de vida para o indivíduo idoso”, avalia o imunologista, acrescentando que ainda há desafios para que essa descoberta se transforme em uma opção para pacientes. “O problema da terapia com hormônio de crescimento hoje é que o efeito não é permanente. Ao parar o tratamento, volta-se ao estado original. Por isso existem ideias para associar essa terapia com outras, incluindo opções com células-tronco, que estão em estudo”, esclarece.

Ao passo em que o hormônio de crescimento induz o aumento do timo, o hormônio cortisol pode ser nocivo para as células precursoras dos linfócitos T. Liberado em situações de estresse, esse hormônio faz parte da chamada resposta de ‘luta’ ou de ‘fuga’, que interrompe diversos processos do organismo, permitindo concentrar energia para reagir às ameaças. No timo, o cortisol age diretamente sobre os linfócitos T, que também são capazes de produzi-lo. A pesquisadora Daniella Mendes da Cruz, do Laboratório de Pesquisas sobre o Timo do IOC, explica que os efeitos do cortisol dependem da dose. Em baixas concentrações, o hormônio protege as células precursoras dos linfócitos T. Já em altos níveis, ele provoca a morte maciça destas mesmas células. Daniella recorre a um exemplo do dia a dia para demonstrar o efeito da conexão entre hormônios e linfócitos T: “É comum dizer que quando uma pessoa está estressada, a imunidade baixa e, por isso, ela fica doente com mais facilidade. Realmente, o estresse desregula o sistema endócrino e influencia diretamente no sistema imune”, diz a pesquisadora, que também assina o artigo.

A cadeia entre aumento das taxas de cortisol e atrofia do timo também tem sido verificada na forma aguda da doença de Chagas, em pesquisas realizadas com animais. O órgão é tão afetado que pode ficar com apenas um décimo do tamanho original. Segundo Daniella, os estudos apontam que outro hormônio, chamado de prolactina, é capaz de anular os efeitos negativos do cortisol sobre o timo, protegendo as células precursoras dos linfócitos T. Diversas evidências levam os cientistas a considerar que a forma aguda da doença de Chagas provoca um desequilíbrio hormonal. “Ao mesmo tempo em que reduz drasticamente a produção de linfócitos T, a infecção provoca a liberação de células imaturas, que podem reagir contra o próprio organismo, causando problemas de autoimunidade”, relata a pesquisadora.

Trinta anos de descobertas e ensinamentos

Em 30 anos de atividades, o Laboratório de Pesquisas sobre o Timo teve cerca de 300 artigos publicados, além de 60 dissertações de mestrado e 60 teses de doutorado defendidas. O aniversário do grupo – que atualmente reúne cerca de 40 profissionais – foi marcado por um seminário realizado em 08/10, no campus da Fiocruz em Manguinhos, no Rio de Janeiro, onde também fica a sede do Laboratório. O evento reuniu membros atuais, ex-integrantes e colaboradores. Na ocasião, Savino destacou a contribuição dos profissionais para a formação de um grupo de pesquisa de ponta no país. “O Laboratório foi construído e é mantido pelas pessoas que trabalham e que interagem com ele. Elas são o principal, não os equipamentos ou a estrutura que possuímos”, disse.

Depoimentos enviados por dezenas de pesquisadores foram apresentados no evento, refletindo parcerias duradouras construídas no Brasil e no exterior. Colaboradora há mais de três décadas e coautora do artigo recém-publicado na 'Nature Reviews Endocrinology', a diretora de pesquisa do Centro Nacional de Pesquisa Científica da França (CNRS, na sigla em francês) Mireille Dardenne lembrou que a longa parceria levou à criação do Laboratório Internacional Associado sobre Imunologia e Imunopatologia, uma estrutura de pesquisa binacional que une cientistas brasileiros e franceses. “Todos esses esforços comuns permitiram gerar uma produção científica de excelência, além de enriquecimento pessoal e intelectual para todos”, avaliou ela.

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