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Hanseníase: Brasil é o único país que não conseguiu eliminar sua propagação

Gráficos com números da hanseníase no Brasil

23/03/2015

Por: Bruno Rodriguez/ Revista Radis*

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No final de janeiro, quando as atenções estavam voltadas para o Dia de Luta contra a Hanseníase, o Ministério da Saúde divulgou dados da situação brasileira aparentemente positivos: a taxa de prevalência caiu 68% nos últimos dez anos, passando de 4,52 por 10 mil habitantes, em 2003, para 1,42 por 10 mil habitantes, em 2013. Mas o ritmo da queda não será suficiente para cumprir um dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, estabelecidos pela Organização das Nações Unidas: eliminar a hanseníase até o fim de 2015 — o que significa registrar no máximo um caso a cada 10 mil habitantes. Assim, o Brasil segue com dois títulos perversos: o único país do mundo que não conseguiu eliminar a doença e o que concentra mais casos novos dela a cada ano. 

Presente ao Apelo Global 2015 por um Mundo sem Hanseníase, evento realizado no Japão, o coordenador nacional do Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase (Morhan), Artur Custódio, teve uma dimensão da repercussão internacional dos índices brasileiros. “As pessoas se perguntavam quais eram as estratégias que podiam auxiliar mais o país e por que não conseguimos chegar a um caso a cada 10 mil habitantes”, contou ele à Radis.

O ministro da Saúde, Arthur Chioro, disse em entrevista coletiva que “não trabalha com datas” para a eliminação da hanseníase: “Mais que estabelecer uma data, no SUS buscamos consistentes avanços dos indicadores da doença”. Segundo ele, o Brasil tem melhores condições de controlar os casos desde a criação do Mais Médicos, que expandiu a atenção básica, levando equipes com médicos para áreas de difícil acesso, justamente onde a prevalência de hanseníase é maior. “O controle não se dá com vacina ou só com informação; depende do diagnóstico e do tratamento, portanto, da presença de médicos”.

Desigualdade regional

Mato Grosso, Pará, Maranhão, Tocantins, Rondônia e Goiás são as áreas com maior risco de transmissão, concentrando mais de 80% do total de casos diagnosticados. No Mato Grosso, por exemplo, a prevalência chega a 9,03 por 10 mil habitantes — contra a média nacional de 1,42. “São estados da Amazônia Legal, onde as populações estão mais dispersas e têm dificuldade de acesso às unidades básicas ou ao Saúde da Família, e onde também não contávamos com a presença de médicos nas equipes. Isso mudou, o que nos dá mais esperança de controle”, argumentou o ministro. 

A hanseníase é uma doença infecciosa, contagiosa, associada a desigualdades sociais, pois afeta principalmente as regiões mais carentes do mundo. É transmitida pelas vias aéreas (secreções nasais, gotículas da fala, tosse, espirro) por pacientes considerados bacilíferos, ou seja, sem tratamento — aqueles que estão sendo tratados deixam de transmitir.

Os principais sintomas são dormências, dor nos nervos dos braços, mãos, pernas e pés; lesões de pele (caroços e placas pelo corpo) com alteração da sensibilidade ao calor, ao frio e ao toque e áreas da pele com alteração da sensibilidade mesmo sem lesão aparente; e diminuição da força muscular. Essas manchas são esbranquiçadas, avermelhadas ou amarronzadas.

O diagnóstico precoce é fundamental, pois evita a evolução da enfermidade para as incapacidades e deformidades físicas. “Hanseníase: quanto antes você descobrir, mais cedo vai se curar” é o mote da campanha lançada em janeiro pelo Ministério da Saúde, que inclui a busca ativa de casos em escolas públicas. Isso porque, quando se identifica uma criança com a doença, existe um adulto do seu convívio ainda sem diagnóstico e tratamento. Em 2014, dos 5,6 milhões de estudantes de 5 a 14 anos examinados, 354 foram diagnosticados com hanseníase, representando 0,15%.

Piora em 2014

Dados preliminares também divulgados pelo Ministério da Saúde indicam que a taxa de detecção geral da doença foi de 12,14 por 100 mil habitantes em 2014, correspondendo a 24.612 casos novos. Na população com menos de 15 anos, houve registro de 1.793 novos casos. Ao todo, 31.568 pacientes estavam em tratamento no ano passado. O resultado da conta? Um aumento da prevalência, quebrando a tendência de queda. Se os números forem confirmados, o Brasil terá tido prevalência de 1,56 casos por 10 mil habitantes em 2014.

Para o ministro, a pequena elevação dos números é reflexo da campanha de detecção de novos casos e não uma piora na situação no país. “Significa que estamos interrompendo a transmissão, melhorando a nossa capacidade de diagnóstico e tratamento”, afirmou ele. Os dados apontando possível piora nos indicadores constavam da apresentação feita pelo ministro Chioro mas não dos textos do Ministério da Saúde encaminhados à imprensa, o que levou o coordenador do Morhan a questionar o feito.

“Soa estranho divulgarem apenas o número absoluto de pacientes em tratamento e não divulgarem também o coeficiente de prevalência (número de casos em tratamento em 31 de dezembro do ano por 10 mil habitantes), justamente o coeficiente que define eliminação”, comentou Artur Custódio. “Infelizmente, tudo muito tendencioso. Quando formos realmente falar dos números reais no final do primeiro semestre, a mídia já esqueceu o que foi divulgado em janeiro e não terá como questionar que a eliminação da hanseníase tão propagada não foi contemplada”, disse, acrescentando que não há motivos para comemorar se 25 mil brasileiros contraíram uma doença que já poderia ter sido eliminada do país.

Nos últimos dez anos, a taxa de cura aumentou 21,2% no Brasil: era de 69,3% em 2003 e passou para 84% em 2013. Todos os casos de hanseníase têm cura. O tratamento, oferecido pelo SUS consiste de uma associação de medicamentos chamada de poliquimioterapia (PQT), que evita a resistência do bacilo e deve ser administrada por seis meses ou um ano, a depender do caso. Uma vez por mês, o paciente recebe uma dose supervisionada da medicação na unidade de saúde e leva uma cartela com as medicações padronizadas para casa. As lesões de pele podem desaparecer logo, o que não quer dizer que a pessoa esteja curada, daí a importância de se respeitar o tempo de tratamento. 

Violação de direitos

Para o coordenador do Morhan, o quadro da hanseníase é agravado pela condição social da doença. “A história no Brasil é marcada pela contínua violação de direitos humanos, praticada de forma institucional pelo Estado durante a fase do isolamento compulsório das pessoas diagnosticadas com a doença. Como política, essa prática foi interrompida na década de 1980, mas as violações e abusos persistem até hoje, em todo o país”, avaliou ele.

Um exemplo atual é o fechamento da colônia Santa Marta, em Goiás, comunidade formada por pessoas que tiveram a doença. O lugar abriga cerca de mil moradores, incluindo 58 antigos pacientes de hanseníase, já curados e com mais de 80 anos. O governo do Estado fechou uma das entradas e propôs mudança para um conjunto habitacional afastado dali. “Hoje, quarenta famílias que vivem na região estão sob ameaça de remoção forçada. São pessoas que foram separadas de seus familiares pelo Estado e agora sofrem com a possibilidade de um novo isolamento”, comentou Artur.

A ONU recomenda a reparação dos danos sofridos durante a fase do isolamento compulsório das pessoas com hanseníase e a garantia dos direitos desses cidadãos. O Brasil foi o segundo país do mundo a reconhecer o isolamento compulsório como crime de Estado e a conceder indenizações às pessoas atingidas, depois do Japão.

* Matéria originalmente publicada na Revista Radis Nº 150 / MAR 2015.

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