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Em entrevista, pesquisador fala sobre a regulação da comunicação e seus impactos na saúde


22/04/2015

Por: Adriano De Lavor & Liseane Morosini (Ensp/Fiocruz)

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O pesquisador Rodrigo Murtinho dedica-se ao estudo das relações entre Estado, comunicação e cidadania. Na pesquisa que desenvolve no Laboratório de Comunicação e Saúde (Laces) do Instituto de Comunicação e Informação Científica em Saúde (Icict/Fiocruz), onde é vice-diretor, ele analisa os diálogos existentes entre o direito à saúde e direito à comunicação. Em entrevista à revista Radis, Rodrigo, que integra o grupo que formulou o Projeto de Lei de Iniciativa Popular da Comunicação Social Eletrônica, resgata a trajetória da defesa por um marco regulatório para o setor que, segundo ele, abrirá mais espaço para a discussão de políticas públicas.

Radis - A lei que regulamenta o funcionamento das rádios e televisões no país é de 1962. Quando se começou a discutir um novo marco regulatório para a comunicação?

RM - Os grandes questionamentos surgem com a televisão e com o rádio. No Relatório MacBride [Documento sobre comunicação publicado pela Unesco em 1980, redigido por comissão presidida pelo irlandês Seán MacBride, que identificou problemas como concentração da mídia, comercialização da informação e acesso desigual à informação e à comunicação], já existe uma preocupação com a concentração do fluxo de informação, mas também com o tamanho que as empresas começaram a tomar, no fim da década de 1970 e início dos anos 80, com o crescimento da televisão e da circulação dos produtos audiovisuais e do cinema. Já se via que a comunicação era controlada por um número pequeno de empresas.   

Radis - E no Brasil?

RM - As manifestações começam na década de 1970, ainda nos círculos acadêmicos e profissionais, e ganham outros setores no final da década de 1980 e início da década de 1990. O questionamento não é só da legislação em si, mas da forma como se constitui o setor, o monopólio, os critérios de distribuição de concessão. O Fórum Nacional ganha força depois do debate Collor-Lula, em 1989 [Quando a Rede Globo foi acusada de favorecer o candidato Fernando Collor manipulando a edição do debate entre os dois candidatos à Presidência da República]. Naquele momento, percebeu-se que a televisão estava definindo a política. E aí surgiram os primeiros comitês regionais e a coisa foi crescendo.

Radis - É possível identificar avanços?

RM - Com a Lei da TV a Cabo, de 1995 [Lei Nº 8.977, de 6/1/1995], avançamos com a instituição dos canais de acesso público — as TVs comunitárias, legislativas, universitárias. Foi a primeira vez que se impôs alguma contrapartida ao setor privado. Outro grande ganho foi a constituição da Empresa Brasileira de Comunicação (EBC), impulsionada pelo 1º Fórum Nacional de TVs Públicas (2007), com grande participação da sociedade.

Radis - Sob o ponto de vista da saúde, o que se espera dessa regulação?

RM - Maior pluralidade e diversidade de vozes, maior expressão dos grupos sociais, ampliando o debate público. Por que a TV pública, hoje, não tem expressão? Porque ela é um pássaro estranho no ninho. Desde a década de 1930, a radiodifusão se consolidou como meio comercial. A gente não sabe o que é radiodifusão que não seja comercial. A imagem da TV pública sempre foi associada a péssima qualidade, limitação. O cenário que queremos é outro, com multiplicidade de interesses e de questões. Se tivermos um canal de saúde na TV aberta ou uma aliança mais clara com as TVs públicas, poderemos inclusive oferecer serviços do SUS.

Radis - Quais são as dificuldades para se chegar a isso?

RM - No Brasil, a comunicação não é vista como coisa pública, inclusive no campo da Saúde. As pessoas incorporaram a lógica de que comunicação é coisa privada. Não nego a importância de media training nas instituições de saúde para pautar a mídia comercial, mas o que fazemos para ir além? Quando as secretarias municipais e estaduais ou uma estatal põem anúncio na imprensa privada, não estão apenas buscando visibilidade, estão financiando a empresa. Como agentes públicos, não podemos perder isso de vista.

Radis - Que benefícios concretos essa mudança pode trazer?

RM - Primeiro, distensionar o mercado. Não adianta apenas fortalecer a EBC, tem que quebrar o monopólio. O projeto limita o número de emissoras de um grupo, a propriedade cruzada. Qualquer grupo social pode requerer a concessão de uma TV. Os conselhos de Saúde podem conseguir mais espaço, por exemplo. Isso muda o ambiente, amplia o debate público. Com a possibilidade de ter TVs diretamente ligadas à saúde, as políticas públicas terão mais espaço. Além disso, a nova legislação vai possibilitar que a TV pública respeite a diversidade regional e a cultura local.

Radis - Como isso repercutirá na Saúde?

RM - Uma emissora comercial, sem limites de atuação — ou com limites fictícios ou com poucos limites — é tensionada pela necessidade do lucro. Se não trata aquilo como uma concessão pública, faz o que quer, com consequências não só para a saúde, mas para a cidadania. Os direitos são colocados em último plano. Isso vale também para a questão racial, de gênero, de respeito às individualidades dos grupos sociais.

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