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Artigo do Observatório Saúde na Mídia enfoca morte de jovens negros no Brasil


02/02/2017

Por: Márcia Lisboa (Laces / Icict)

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As retrospectivas de final de ano dos veículos de comunicação destacaram conquistas e perdas classificadas como as mais relevantes ou as que causaram maior comoção. Em 2016, a imagem da mãe com o sangue do filho morto no rosto (foto de Pablo Jacob/ Agência O Globo) poderia ser representativa de uma tragédia de 2016. “Aquele sangue era meu”, disse Sheila Cristina da Silva ao repórter Alfredo Mergulhão, do jornal Folha de S.Paulo.

O texto, publicado em formato de depoimento no dia 14 de junho, informa que Carlos Eduardo tinha 20 anos e foi baleado na porta de casa, no morro da Providência, região central da cidade do Rio de Janeiro.

“Fiquei tão revoltada que passei o sangue do meu filho no rosto. Ali, naquela hora, não tinha mais medo de nada, da polícia, da morte. Minha vida já estava destruída”. Sheila trabalha como catadora de lixo e precisou da ajuda de moradores para pagar o enterro do rapaz.

Quase seis meses depois, no 10 de dezembro, o noticiário registrou o desabafo da cantora Tati Quebra Barraco ao saber da morte do filho Yuri, de 19 anos, durante uma operação policial contra o tráfico de drogas na Cidade de Deus, no Rio de Janeiro: “A PM tirou um pedaço de mim que jamais será preenchido.”

Além da perda de um filho, Sheila e Tati têm em comum a cor da pele e o fato de viverem em favelas. As duas histórias dão nomes aos trágicos números das mortes violentas de jovens negros no Brasil. Segundo o Mapa da Violência 2016, produzido pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso), que analisou dados do Sistema de Informações de Mortalidade do Ministério da Saúde, entre 2003 e 2014 houve um aumento de 9,9% dos homicídios de negros (somatório de pretos e pardos) por arma de fogo no país, passando de 24,9% para 27,4%. As vítimas negras, que em 2003 foram 71,7% do total, em 2014 computaram 158,9%. Ou seja: morrem por arma de fogo 2,6 vezes mais negros que brancos.

Embora os jovens de 15 a 29 anos representem em torno de 26% da população do país, a pesquisa revelou que eles foram 58% dos mortos por armas de fogo em 2014. O pico dos homicídios vitimou aqueles com 20 anos de idade: 67,4 mortes por 100 mil jovens.

Na edição de 2014 do Mapa da Violência, com dados de homicídios no país registrados em 2012, os jovens de 15 a 29 anos foram as principais vítimas: cerca de 30 mil do total de 56 mil homicídios. Dentre eles, 77% são pretos ou pardos.

À parte os alarmantes números brasileiros, o assassinato de negros, especialmente jovens, destaca-se nas estatísticas de criminalidade de outros países, como os Estados Unidos, onde nasceu, em 2012, o movimento internacional Black lives matter. A diáspora africana de povos sequestrados de seu lugar de origem, destituídos de identidade e humanidade, parece atualizar-se nos mais de 23 mil corpos de pele escura assassinados em um ano, apenas no Brasil.

Com o objetivo de mobilizar pessoas em defesa do direito fundamental de preservação da vida de qualquer cidadão, a Anistia Internacional lançou, no final de 2014, a campanha Jovem negro vivo. Em nível de políticas públicas nacionais, iniciativas como o Plano de Prevenção à Violência contra a Juventude Negra – Juventude Viva, apontam grandes desafios.

As mortes violentas de jovens foram o tema da pesquisa coordenada por Ednilsa Ramos de Souza e Kathie Njaine, do Departamento de Violência e Saúde Jorge Carelli (Claves) da Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz (Ensp/Fiocruz). Os resultados apresentados durante o seminário “Mortes violentas de jovens: o desafio da prevenção em uma perspectiva intersetorial”, realizado em março de 2016, na Fiocruz, apontaram aquilo que já vinha sendo observado pelos pesquisadores: quem mais mata no Brasil é também quem mais morre – os jovens do sexo masculino de 15 a 29 anos.

Para além da discussão sobre as causas da matança de jovens negros, fica o registro da dor das pietás.

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